Caster Semenya, atleta sul-africana e bicampeã olímpica nos 800 metros, viu esta quarta-feira negado o seu recurso contra as regras da Associação Internacional das Federações de Atletismo, para diminuir os altos níveis de testosterona em algumas mulheres.
Nascida numa pequena vila e criada na província de Limpopo, no interior da África do Sul, Semenya começou a correr como treino para jogar futebol. Aos 17 anos venceu os 800 metros nos Jogos da Juventude da Commonwealth, na Índia. Em 2009, competindo no Campeonato Africano de Atletismo Júnior, venceu os 800 metros e os 1500 metros, estabelecendo novos recordes nacionais adulto e júnior.
Em agosto do mesmo ano, no Campeonato Mundial de Atletismo de 2009 realizado em Berlim, conquistou a medalha de ouro nos 800 metros com a melhor marca do ano.
Já antes da sua participação, a discussão sobre a feminilidade de Semenya acendeu-se. Após a vitória, a atleta foi submetida a testes de género. A rápida ascensão e quebra constante dos seus recordes fez com que a IAAF exigisse uma comprovação de sexo. Os resultados dos testes nunca foram anunciados oficialmente mas alguns resultados revelados na imprensa sugeriam que Semenya tenha traços de intersexualidade.
O caso levantou ampla discussão e acusações de racismo da organização contra a atleta. O presidente Lamine Diack veio a público declarar que a motivação para os testes não tinham a ver com doping nem continham qualquer racismo, mas sim um desejo de confirmar se Semenya possuía alguma “condição médica rara” que lhe poderia dar “uma vantagem injusta” numa disputa com outras mulheres.
Por recomendação do ministro do Desporto e Recreação da África do Sul, Makhenkesi Stofile, Semenya contratou uma firma de advogados para “garantir que os seus direitos civis e legais e a sua dignidade fossem mantidos intactos” durante as investigações.
O governo da África do Sul, que a apoiou fortemente, chegou a fazer um apelo e uma reclamação à ONU contra a IAAF, dizendo que a atitude da Federação era sexista e machista. A própria atleta declarou que foi submetida “a um exame injustificado e invasivo dos detalhes mais íntimos e privados do meu ser”.
Os exames comprovaram que a atleta é portadora de uma deficiência cromossomática que lhe confere características masculinas e femininas. Semenya não tem ovários nem útero, mas possui testículos ocultos internamente que produzem testosterona acima do normal para uma mulher, embora os genitais externos sejam femininos.
A IAAF anunciou novas regras em abril de 2018, que obrigam qualquer atleta que queira participar em provas de entre os 400 e os 1.500 metros a manter níveis baixos de testosterona (cinco nanomoles por litro de sangue), durante os seis meses anteriores à competição. Até à data, o limiar de tolerância era de dez nanomoles.
Num julgamento histórico, a comissão de três juízes do TAS votou 2-1 e proferiu um veredicto complexo em que admitiu que as regras propostas pela IAAF para atletas com “diferenças de desenvolvimento sexual (DSD)”, como é o caso de Caster Semenya, “são discriminatórias”, mas “devem ser aplicadas”.
A IAAF entrou no caso com o argumento científico de que atletas do sexo feminino com altos níveis de testosterona têm uma vantagem injusta em provas dos 400 metros até aos 1.500 metros.
No entanto, os juízes do TAS querem que a IAAF aplique as regras apenas até os 800 metros, porque as evidências não são claras de que as mulheres com hiperandrogenismo têm uma vantagem competitiva nos 1.500 metros.
O painel de juízes do TAS sugeriu que a IAAF considere adiar a aplicação do regulamento DSD para esses eventos “até que mais evidências estejam disponíveis“, o que deixaria a porta aberta para as atletas com excesso de testosterona competirem na milha.
Os juízes rejeitaram os dois pedidos de arbitragem de Caster Semenya e decidiram que “com base nas provas apresentadas pelas partes, tal discriminação é um meio necessário, razoável e proporcional para atingir o objetivo da IAAF de preservar a integridade das competições desportivas”.
Agora, Caster Semenya, de 28 anos, terá que limitar os níveis de testosterona, provocados por hiperandrogenismo, recorrendo a medicamentos, se quiser defender o seu título mundial em setembro, em Doha, no Qatar.
A Confederação do Desporto da África do Sul e Comité Olímpico (SASCOC) afirmou-se “desanimada” com esta decisão e sublinhou que Caster Semenya continua a ser o porta-estandarte da sua equipa de atletismo, bem como “um símbolo de orgulho nacional”.
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