O futebolista Daniel Podence disse em tribunal, esta quinta-feira, que o antigo presidente do Sporting sabia “perfeitamente que o plantel não estava com ele”, na altura da invasão à academia do clube, em Alcochete.
Na 12.ª sessão do julgamento da invasão à academia, que decorre no tribunal de Monsanto, Daniel Podence admitiu ter estranhado o tom “cordial” de Bruno de Carvalho durante uma reunião que manteve com o plantel leonino, na véspera da invasão, quando sabia “que os jogadores não estavam com ele”.
Segundo o futebolista, Bruno de Carvalho, que também reuniu na véspera com a equipa técnica e com o staff, em encontros separados, perguntou, num “tom muito cordial”, aos jogadores se estavam com ele “acontecesse o que acontecesse” e disse que “não estava a ser nada fácil acalmar os adeptos”, depois da derrota no terreno do Marítimo, que afastou os leões do segundo lugar da I Liga.
Numa inquirição via Skype, o futebolista contou ter visto o companheiro croata Misic ser agredido na cara com um cinto, durante a invasão, que descreveu como “uma zona de guerra”.
“Eu estava sentado na zona do meu cacifo, ao lado do Misic, e vi darem-lhe com um cinto na cara”, explicou o jogador, que, entretanto, rescindiu unilateralmente com o Sporting.
Podence disse que, já fora do balneário, viu “Bas Dost com a cabeça aberta” e o treinador Jorge Jesus “caído e com lesões físicas”, acrescentando que este “estava desnorteado e notava-se bem que tinha sido amassado“.
O avançado, que alinha nos gregos do Olympiacos, admitiu que teve “muito receio” e que até pensou em fugir, explicando depois porque não o fez: “Não arrisquei, porque um passo que alguém desse, era mais uma chance para ser cercado, e não sabíamos quem estava lá fora”.
Podence, que quantificou em cerca de 30 as pessoas que entraram no balneário, “uns de cara tapada, outros não”, explicou que os jogadores Rui Patrício, William Carvalho, Acuña e Battaglia eram os principais alvos.
“Parecia que estavam mais à procura do Rui, do William, do Acuña e do Battaglia, e depois era quem aparecesse no caminho”, disse, acrescentando: “Quando entraram, o William foi direto à porta, fizeram uma roda à volta dele e começaram a bater-lhe, eram à volta de uns 30. Deram-lhe socos e pontapés, tudo e mais alguma coisa”.
Podence, que disse ter visto Acuña sentado, a tentar proteger-se “das chapadas e socos que lhe estavam a dar”, lembra-se de ter visto “um garrafão de água a voar contra o Rui”.
O avançado, que se constitui assistente no processo, disse ter sentido medo durante algum tempo depois do ataque, mas assumiu ter recusado a proteção disponibilizada pelo clube: “Passados uns dias, o Sporting ofereceu uma pessoa para andar connosco, mas, como eu já não queria estar, de maneira nenhuma, ligado ao Sporting, recusei”.
“Frederico, há aqui qualquer coisa que não joga bem”
Durante a 12.ª sessão do julgamento, que envolve 44 arguidos, entre os quais o antigo presidente Bruno de Carvalho, o coletivo de juízes ouviu também Ricardo Vaz, que à data trabalhava no gabinete de apoio ao jogador.
Ricardo Vaz explicou ter-se apercebido de “algum barulho” e de, já depois do ataque, lhe ter sido pedido que contactasse a portaria para deixar entrar um veículo que iria buscar, entre outros, Fernando Mendes, ex-líder da Juventude Leonina e ‘Aleluia’ [Elton Camará].
“Recebi uma chamada de Bruno Jacinto [à data oficial de ligação aos adeptos do Sporting] a pedir-me se eu poderia avisar a portaria que iria um BMW azul para buscar as pessoas que ainda ali estavam”, disse, acrescentando: “Recordo-me de ouvir lá que eles não tinham agredido os jogadores”.
Ontem, também foi ouvido o médico Virgílio Abreu, que integrava a equipa clínica do Sporting à data da invasão, que disse ter visto Frederico Varandas a desviar-se de uma tocha, que acabou por atingir Mário Monteiro.
“O Frederico estava quase à minha frente e vejo passar a tocha que acaba por passar de raspão no Mário Monteiro [preparador físico]” disse o médico.
Virgílio Abreu disse ter participado numa reunião na véspera, com o então presidente, na qual foi dito que “quem não estivesse com aquela direção que dissesse”. O médico classificou a reunião como “atípica” e admitiu ter dito a Frederico Varandas que cancelasse as consultas do dia seguinte para estar no treino, explicando que o diretor clínico “nem sempre estava presente no treino”.
“Frederico, há aqui qualquer coisa que não joga bem, se fosse eu a ti, desmarcava o que tinha para amanhã e vinha ao treino. Parece-me que é melhor estares presente”, contou.
Virgílio Abreu, que já não está ligado ao Sporting, explicou como socorreu Bas Dost, que não viu a ser ferido. “Fui buscar Bas Dost ao balneário, vi que estava ferido, e levei-o para a sala de pequenas cirurgias”, disse, acrescentando: “Estava magoado fisicamente, mas também muito magoado psicologicamente e dizia: ‘Como é possível virem a nossa casa e fazerem isto?’”.
Virgílio Abreu admitiu não saber quem captou as fotografias que mostram os ferimentos a Bas Dost, garantindo apenas que “não foi Frederico Varandas” e “que havia várias pessoas na sala”.
O julgamento prossegue, na segunda-feira, com as inquirições de José António Laranjeira, que integrava o departamento de scouting, do futebolista João Palhinha, atualmente emprestado ao Sporting de Braga, e de Gonçalo Rodrigues, do departamento de apoio ao jogador.
O processo, que está a ser julgado no Tribunal de Monsanto, em Lisboa, tem 44 arguidos, acusados da coautoria de 40 crimes de ameaça agravada, de 19 crimes de ofensa à integridade física qualificada e de 38 crimes de sequestro, todos estes (97 crimes) classificados como terrorismo.
Bruno de Carvalho, ‘Mustafá’ e Bruno Jacinto estão acusados, como autores morais, de 40 crimes de ameaça agravada, de 19 crimes de ofensa à integridade física qualificada e de 38 crimes de sequestro, todos estes (97 crimes) classificados como terrorismo.
Os três arguidos respondem ainda por um crime de detenção de arma proibida agravado e ‘Mustafá’ também por um crime de tráfico de estupefacientes.
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