O antigo diretor de operações do Sporting e os futebolistas Marcus Acuña e Rodrigo Battaglia foram ouvidos, esta terça-feira, na 14.ª sessão do julgamento da invasão à academia leonina, que decorre no Tribunal de Monsanto, em Lisboa.
O antigo diretor de operações do Sporting, Vasco Santos, relatou que a reunião de 7 de abril de 2018 foi marcada pelo então presidente Bruno de Carvalho, na qual estiveram presentes André Geraldes e Bruno Jacinto, à data, diretor desportivo e oficial de ligação aos adeptos, respetivamente.
A reunião, na qual marcaram também presença o presidente da Juventude Leonina, Nuno Vieira Mendes (Mustafá) e mais cerca de 40 elementos ligados à claque. Esse encontro na sede da JL, segundo Vasco Santos, tinha como objetivo “apaziguar os ânimos exaltados daquele grupo organizado de adeptos e pedir desculpa” aos adeptos.
“Nessa reunião, o líder da Juventude Leonina deu a palavra aos elementos que pretendiam falar, que interpelaram diretamente o presidente e demonstraram o descontentamento pelos posts constantes no Facebook, pela forma e pelas palavras que o presidente tinha dirigido aos jogadores. O presidente pediu várias vezes desculpa“, explicou.
“Por um lado, os adeptos não concordavam com a forma como o presidente se dirigia aos jogadores, mas, por outro lado, também não estavam satisfeitos pelo desempenho da equipa. Sugeriram fazer mais cânticos, mais tarjas, frases, coreografias específicas para puxar pelos jogadores, deslocarem-se a Alcochete para falarem com os jogadores e tentarem incentivar. Foram várias as ideias em cima da mesa, com muita gente a dar palpites. O Bruno de Carvalho disse: ‘organizem-se, façam o que quiserem e depois informem-me’”, descreveu Vasco Santos.
Questionado sobre o contexto em que o então presidente proferiu essa afirmação, a testemunha explicou que eram “várias as propostas e ideias”, acrescentando que Bruno de Carvalho, nesse momento, “não estava nas melhores condições, pois tinha a mulher hospitalizada, e já no fim disse: ‘façam o que quiserem’”.
“Estava farto de estar ali e queria ir embora. Depreendi dali que estava cansado, saturado e queria ir embora”, referiu a testemunha, salientando que, em nenhum momento, se falou em agressões ou ameaças a jogadores.
A eventual ida à academia de Alcochete seria, no seu entendimento, para falar com os jogadores, “provavelmente para jogarem mais e tentarem incentivá-los a ter um melhor desempenho nos jogos”. O antigo diretor de operações do Sporting revelou, contudo, que “os dias foram passando” e que não lhe chegou “nenhum agendamento de ida a academia”, pensando “que a ideia tinha sido abandonada”.
Sobre o então presidente do clube, a testemunha disse que este tipo de reuniões com adeptos era normal, face à maneira de ser de Bruno de Carvalho. “Esteve sempre ligado aos adeptos. O presidente tinha uma postura de aproximação, de diálogo aos adeptos. Abordava-os e deixava-se ser abordado diretamente por eles. Reuniões destas houve várias. Algumas marquei presença. Perante a postura deste presidente, não era anormal estas reuniões”, indicou Vasco Santos.
O antigo funcionário considera que a invasão à academia se deveu, por um lado, a uma “ausência de comunicação”, acrescentando que não tinham “nenhum alerta” por parte da PSP da ida de adeptos a Alcochete, e, por outro, ao facto de o clube não ter implementado um conjunto de medidas para reforçar a segurança da academia, sugeridas um ano antes.
A tarde começou com o testemunho de Marcus Acuña. “O William Carvalho tentou fechar a porta, mas eles entraram. Perguntaram por mim e pelo Battaglia, dirigiram-se a nós e começaram a atacar-nos. Dirigiram-se a mim quatro a cinco pessoas. Primeiro, deram-me uma bofetada e depois murros e pontapés, enquanto diziam ‘não mereces essa camisola’. Tentaram tirar-me o equipamento, não conseguiram, e ameaçaram-me. Disseram que me iam matar, que sabiam onde é que eu vivia e onde é que os meus filhos iam à escola”, relatou o jogador argentino.
Depois do ataque, recordou o futebolista de 28 anos, que tem dois filhos, telefonou para a família. “A minha mulher estava com a minha enteada. A minha primeira reação foi ligar para a minha família, para fechar a porta e ligar o alarme”, descreveu.
O futebolista assumiu sentir “medo, mais pela mulher e pelos filhos”, revelando que, durante algum tempo, andava sempre a “olhar para trás, para ver se estava a ser seguido”.
“Em cada jogo que jogamos e não vencemos, penso que isto pode acontecer de novo”, declarou o internacional argentino, que continua a jogar a médio e defesa-esquerdo no Sporting.
Acuña contou que não reagiu às agressões, apenas que se tentou defender, acrescentado que, no momento em que “entraram 30 a 40 pessoas, com cara tapada”, estava todo o plantel no interior do vestiário, exceto o holandês Bas Dost, e fisioterapeutas do clube.
O jogador, que chegou ao Sporting em 2017, declarou ao coletivo de juízes, presidido por Sílvia Pires, que outros elementos abordaram Battaglia, atingido com um garrafão de água, não visualizando mais agressões, pois “também estava a ser alvo do ataque”. Os invasores mencionaram ainda os nomes de Rui Patrício e de William Carvalho.
“Só vi o William sofrer agressões. Mais do que um indivíduo a dar socos e bofetadas na cabeça”, afirmou Acuña, relatando que alguns dos invasores “estavam a cobrir a porta para que ninguém saísse” do balneário.
Acuña disse não se recordar de muitas palavras proferidas pelos elementos, mas lembra-se de ouvir: “se não ganhássemos o próximo jogo no domingo [final da Taça de Portugal contra o Desportivo das Aves], não sabíamos o que é que nos ia acontecer“. Depois destas frases, disse que “largaram o fumo e saíram” todos ao mesmo tempo.
Após o ataque, o internacional argentino referiu ter visto feridos Bas Dost e o preparador físico Mário Monteiro, não tendo, durante a investigação, reconhecido algum dos agressores.
Depois do jogo com o Marítimo, já no Aeroporto do Funchal, a testemunha disse que se apercebeu de “um indivíduo que andava” à sua procura, mas que entretanto foi levado para o embarque. Foi nesse contexto que ouviu a frase: “na academia, logo falamos”, proferida por Fernando Mendes, antigo líder da claque Juventude Leonina. Disse que o viu depois à conversa no aeroporto com William Carvalho, Battaglia e Jorge Jesus.
O atleta esteve na reunião de 14 de maio de 2018, véspera do ataque, entre o plantel e Bruno de Carvalho, na qual estiveram presentes outros elementos do conselho de administração.
Nessa reunião “falou-se do que se tinha passado no jogo” com o Marítimo, no qual o Sporting perdeu por 2-1, e o ex-dirigente partilhou com Acuña que os adeptos lhe disseram que “sabiam” onde é que o jogador vivia e que “iam à sua procura”.
“Respondi que queria falar com os adeptos para esclarecer o que se tinha passado na Madeira”, explicou. Na resposta, Bruno de Carvalho informou de que iria ele falar primeiro com os adeptos.
Seguiu-se Rodrigo Battaglia, que fez uma descrição semelhante à do colega de equipa. “Quando voltámos do trabalho do ginásio vimos ruídos e barulhos estranhos. Parecia que queriam forçar a porta para entrar. Vi os meus companheiros a olhar pela janela, fui ao pé da rouparia e vi o roupeiro a tentar fechar a porta. O Ricardo Gonçalves e o Vasco Fernandes tentaram contê-los, mas forçaram as portas e conseguiram entrar”, disse o jogador, citado pelo Observador.
“Em nenhum momento tentaram falar connosco, chamaram-nos filhos da p***, que não merecíamos usar a camisola. Começou aí a pancadaria. Vi que bateram no William, no Marcos Acuña, no Patrício, que também foi agredido”, recordou.
“Vamos-te matar. Não mereces a camisola. Deram-me socos na cara, no peito e nos braços. Vários colegas foram agredidos ao tentarem colocar-se entre eles e eu. Levei com um garrafão de 25 litros na parte lateral do peito. Fiquei com medo, desde essa altura, cada vez que perdemos um jogo, vem esse medo outra vez. Isto aconteceu no nosso local de trabalho. No fim liguei à minha namorada para não sair de casa. Imagino como seria se fosse na rua”, cita o Record.
Na quinta-feira, Battaglia e Coates regressam ao Tribunal do Montijo.
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