Marega abandonou a partida contra o Vitória SC após insultos racistas de adeptos vimaranenses. O caso tem ganho um mediatismo sem precedentes no futebol português.
Decorria o 69.º minuto de jogo quando o foco da atenção do jogo entre Vitória Sport Clube e Futebol Clube de Porto se apontou para Moussa Marega. O avançado maliano dos ‘dragões’ começou a caminhar em direção aos balneários enquanto era agarrado pelos colegas de equipa e alguns adversários. Das bancadas ouviam-se apupos.
O temperamento de Marega não foi de todo injustificado. O jogador foi alvo de insultos racistas de alguns adeptos vimaranenses, que imitaram sons de macacos durante várias fases do encontro. O jogador portista acabou por não aguentar mais a discriminação que sentia das bancadas e saiu mesmo do terreno.
O internacional pelo Mali saiu do terreno a gritar para as bancadas adversárias e com os dedos médios apontados para os adeptos.
O técnico dos ‘azuis e brancos’, Sérgio Conceição, procedeu à substituição forçada do avançado, introduzindo Wilson Manafá para o seu lugar.
“Quando acontece algo desse género, o jogo passa para segundo plano. Estamos completamente indignados. Sei bem da paixão que existe aqui em Guimarães pelo clube, mas sei que a maior parte dos adeptos não se revê naquilo que sucedeu com um pequeno grupo de adeptos a insultar o Marega desde o aquecimento. Nós somos uma família, independentemente da nacionalidade, altura, cor do cabelo, cor da pele. Somos humanos, merecemos respeito e o que se passou hoje aqui foi lamentável“, disse Sérgio Conceição no final do encontro.
Nem Marega nem Conceição são estranhos ao emblema de Guimarães. Ambos passaram pelo clube em alturas diferentes da carreira — como jogador e como treinador, respetivamente.
Quem também reagiu ao incidente foi o próprio jogador. Através de uma publicação na sua conta pessoal do Instagram, o jogador insultou “esses idiotas que vêm ao estádio fazer gritos racistas [sic]” e ainda deixou uma mensagem de agradecimentos aos árbitros. “E também agradeço aos árbitros por não me defenderem e por terem me dado um cartão amarelo porque defendo minha cor de pele”.
https://www.instagram.com/p/B8pCtxgKqhf/
“Espero que nunca mais encontrá-lo em um campo de futebol! VOCÊ É UMA VERGONHA! [sic]” lê-se ainda.
Vários foram os antigos colegas de equipa e personalidades do futebol que invadiram a caixa de comentários em apoio. Felipe Augusto, Óliver Torres, Gonçalo Paciência, Fernando Andrade, Waris, Xande Silva, Vaná e Éder Militão foram apenas alguns dos nomes que se mostraram solidários para com o jogador.
Todos os comandados de Sérgio Conceição também publicaram uma fotografia de Moussa Marega nas redes sociais a celebrar a vitória. A onda de apoio foi imediata e teve repercussões pela imprensa internacional. The New York Times, Le Parisien, As, Marca, Reuters, The Guardian e Sky News foram alguns dos meios de comunicação que noticiaram este episódio.
“Um dos momentos baixos da história do futebol”
O FC Porto emitiu um comunicado oficial após o incidente com Moussa Marega em que repudia os insultos racistas, alertando que este episódio se trata de um “crime”.
“O FC Porto repudia e condena veementemente os comportamentos racistas desta tarde, que constituem um dos momentos baixos da história recente do futebol português“, escreve o clube este domingo.
Leia o comunicado na íntegra:
“1. Toda a estrutura do FC Porto e os seus adeptos estão solidários com Moussa Marega, que foi levado a tomar uma atitude drástica na sequência de insultos racistas reiterados.
2. O FC Porto repudia e condena veementemente os comportamentos racistas desta tarde, que constituem um dos momentos baixos da história recente do futebol português e terão de ser devidamente penalizados.
3. O FC Porto manter-se-á na linha da frente da luta contra o racismo e os crimes de ódio e a sua equipa mantém a vontade de continuar a combatê-los no campo”.
Marcelo e Costa condenam insultos
O Presidente da República condenou esta segunda-feira os insultos racistas de que Marega foi alvo no domingo, lembrando que a Constituição da República é muito clara na condenação do racismo, xenofobia e discriminação.
“A Constituição da República Portuguesa é muito clara na condenação do racismo, assim como de outras formas de xenofobia e discriminação, e o povo português sabe, até por experiência histórica, que o caminho do racismo, da xenofobia, e da discriminação, além de representar a violação da dignidade da pessoa humana e dos seus direitos fundamentais, é um caminho dramático em termos de cultura, civilização e de paz social”, considerou Marcelo Rebelo de Sousa, numa declaração à agência Lusa.
Na declaração à Lusa, o Presidente da República sublinhou que só pode “condenar, como sempre, veementemente, todas as manifestações racistas, quaisquer que sejam”. Marcelo Rebelo de Sousa apelou ainda “à ética, ao sentido cívico e ao bom senso, para que se evitem em Portugal escaladas que violem valores básicos da nossa comunidade e só possam contribuir para a divisão fratricida entre os portugueses”.
Também o primeiro-ministro, António Costa, manifestou hoje “total solidariedade” com o “grande cidadão” e jogador do FC Porto Marega.
“Todos e quaisquer atos de racismo são crime e intoleráveis. Nenhum ser humano deve ser sujeito a esta humilhação. Ninguém pode ficar indiferente. Condeno todos e quaisquer atos de racismo, em quaisquer circunstâncias”, escreveu António Costa na sua conta pessoal na rede social Twitter.
Total solidariedade com #Marega, que no campo provou ser não só um grande jogador, mas também um grande cidadão.#naoaoracismo
— António Costa (@antoniocostapm) February 17, 2020
Em relação ao avançado maliano do FC Porto, o primeiro-ministro manifestou-lhe “total solidariedade”, considerando que Marega provou no campo de jogo “ser não só um grande jogador, mas também um grande cidadão”.
Governo: Responsáveis serão punidos
O secretário de Estado da Juventude e Desporto considerou o incidente intolerável e inaceitável, assegurando que as autoridades estão a identificar os responsáveis, a fim de serem punidos.
“O que aconteceu esta noite no jogo entre Vitória Sport Clube e FC Porto é absolutamente intolerável, é inaceitável. Os insultos dirigidos ao jogador Marega envergonham todos quantos pugnam por uma sociedade inclusiva. Os valores do desporto nada têm que ver com estas atitudes racistas, xenófobas e ignóbeis”, começou por dizer João Paulo Rebelo, em declarações à agência Lusa.
João Paulo Rebelo assegurou o empenho das autoridades para a identificação e punição dos responsáveis por estes atos.
“A Autoridade para Prevenção e o Combate à Violência no Desporto está desde já a trabalhar em articulação com as autoridades policiais e desportivas no sentido de identificar e punir exemplarmente os responsáveis deste triste episódio que enche de vergonha todos quantos lutam por uma sociedade mais tolerante. Todos os agentes desportivos e, em particular, os seus dirigentes além do repúdio têm de atuar de forma a que isto não se repita”, frisou o governante.
A terminar, o secretário de Estado elogiou o avançado dos ‘dragões’, que, depois de pedir a substituição, apontou para as bancadas do recinto vimaranense, com os polegares para baixo, numa situação que originou uma interrupção de cerca de cinco minutos.
“Por fim, uma palavra ao injuriado Marega, excelente profissional, a quem quero reconhecer uma atitude de grande dignidade e que ajuda a que todos quantos amam o desporto se juntem no combate à intolerância, ao racismo e violência no desporto”, rematou João Paulo Rebelo.
Clubes da Liga solidários
O episódio de racismo com Marega levou também muitos clubes da Liga a solidarizarem-se com o maliano.
A Liga Portuguesa de Futebol Profissional também não passou ao lado polémica e diz que “estes atos envergonham o futebol e a dignidade humana”. “A grandeza da instituição Vitória Sport Clube não deve ser confundida com as atitudes de alguns adeptos que não têm lugar no futebol e no desporto”, lê-se no comunicado.
O Sporting CP divulgou um comunicado oficial em que manifesta “a sua solidariedade” com Marega e repudia “qualquer ato de racismo e preconceito social”. Entretanto, o comunicado deixou de estar disponível no site do clube.
O #SportingCP vem por este meio manifestar a sua solidariedade com o jogador Marega do FC Porto e repudiar qualquer acto de racismo e preconceito social.
Comunicado na íntegra 👉 https://t.co/AcWElha4CU pic.twitter.com/xd5DHnmRyw
— Sporting CP (@SportingCP) February 16, 2020
“Sempre contra o racismo. Em todos os momentos em que ele se revele”, escreveu o SL Benfica no Twitter.
“Hoje e sempre, somos pelos valores do desporto e da dignidade humana. Pelo #Marega, por todos!”, escreveu, por sua vez, o SC Braga.
Marega “teve um comportamento de incendiário”
O presidente do Vitória de Guimarães, Miguel Pinto Lisboa, afirmou este domingo que os alegados atos de racismo dos adeptos do clube vão ser sancionados, caso se confirmem, após o jogo com o FC Porto, da 21.ª jornada da I Liga portuguesa de futebol.
O dirigente vimaranense disse, na sala de imprensa do Estádio D. Afonso Henriques, em Guimarães, que os atos vão ser investigados no final do desafio. “O estádio tem câmaras de videovigilância e, se identificarmos atos de racismo, vamos sancioná-los”, disse.
Pinto Lisboa criticou, porém, os “comportamentos provocatórios” que o atleta teve para com alguns adeptos vitorianos na bancada Nascente, quando festejou o segundo golo do FC Porto, aos 60 minutos, tendo dito que essa ocasião acabou por “incendiar o espetáculo”.
O dirigente referiu ainda que Marega já teve “comportamentos desadequados” no passado, nomeadamente na época 2016/17, quando representava o Vitória de Guimarães, em que, num jogo com o Nacional, da 10.ª jornada, o maliano agrediu Sequeira, atualmente no Sporting de Braga, foi expulso e abandonou o Estádio D. Afonso Henriques no decurso do jogo, sem autorização do clube.
Miguel Pinto Lisboa recordou ainda que o Vitória de Guimarães enverga as “cores preta e branca” por ter a “igualdade de raça” na sua génese, numa alusão ao fundamento escolhido por Mário Cardoso, jogador do clube em 1932, para desenhar o atual símbolo dos minhotos. O dirigente referiu ainda que o relações públicas do clube, Neno, nasceu em Cabo Verde.
Questionado ainda sobre a violência nos estádios, que aconteceu de novo após o primeiro golo do Porto, aos 10 minutos, com troca de tochas e cadeiras entre adeptos vitorianos e portistas, Miguel Pinto Lisboa realçou que “os agentes desportivos, juntamente com as forças de segurança, têm de atuar em conjunto” para terminar com situações como a que hoje aconteceu nos estádios de futebol em Portugal.
Embora presidente e adeptos minhotos acusem Marega de ter “atirado a primeira pedra”, imagens do aquecimento mostram que os insultos começaram ainda antes do apito inicial. Num vídeo divulgado pelo jornal A BOLA, são audíveis os insultos dirigidos ao jogador.
Ainda assim, realce-se que nenhum dos insultos ouvidos no aquecimento foi de teor racista.
Claque: “Nunca seremos Marega e Conceição”
Numa publicação divulgada no Facebook, os White Angels, a principal claque do emblema vimaranense, contra-atacou as acusações que lhes têm sido endereçadas. O grupo de adeptos vitorianos fala num “estarolismo-mor” e diz que ninguém viu o “racismo” de Marega.
“Venham de lá as multas e as interdições. Venham lá fazer de nós exemplo… único.
Castiguem quem ousa não ser seguidor do “estarolismo-mor”. Arranjem de tudo como é costume: desde insultamos a própria cidade, até ao facto de sermos insultados por um preto, mas o racismo só existir quando nós o insultamos”, lê-se na publicação.
https://www.facebook.com/WhiteAngelsOficial/photos/a.759000077474536/3550022945038888/?type=3&theater
“Parabéns à máquina de comunicação social que hoje só viu “racismo” contra um jogador e não viu o “racismo” desse mesmo jogador”, lê-se ainda.
Por fim, os White Angels agradecem “ao jogador racista e seu treinador” por demonstrarem “o facto de sempre defendermos que no Vitória não devemos seguir ídolos a não ser os seus próprios adeptos e o símbolo”.
“Seremos preto e branco, sempre! Nunca seremos Marega e Conceição”, atiram.
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