Um novo relatório da Organização Não Governamental (ONG) da Human Rights Watch (HRW) sobre o desporto no Japão revelou que os jovens atletas sofrem frequentemente abuso físico, sexual e verbal por parte dos seus treinadores, o que levou vários a cometer suicídio.
Divulgado na semana em que as Olimpíadas de 2020 deveriam começar em Tóquio, o relatório inclui testemunhos de atletas japoneses de mais de 50 categorias, cujos relatos revelam abusos físicos – incluindo assédio e abuso sexual -, que em muitos casos resulta em depressão, deficiências físicas e traumas ao longo da vida.
Intitulado “Fui atingido tantas vezes que não consigo contar”, o relatório engloba testemunhos de mais de 800 ex-atletas infantis, incluindo atletas olímpicos e paralímpicos, que participaram na pesquisa entre entre março e junho. Mais de 50 foram entrevistados pessoalmente e o restante respondeu a um questionário ‘online’.
“A participação no desporto deve proporcionar às crianças a alegria de brincar e uma oportunidade de desenvolvimento e crescimento físico e mental. No Japão, no entanto, a violência e o abuso costumam fazer parte da experiência do atleta infantil. Como resultado, o desporto tem sido causa de dor, medo e angústia para muitas crianças japonesas”, lê-se no relatório, citado esta segunda-feira pelo Guardian.
“Os atletas entrevistados pela Human Rights Watch descreveram uma cultura de impunidade para treinadores abusivos. Das crianças atletas entrevistadas que sofreram recentemente abuso, todas, exceto uma, relataram que não havia consequências conhecidas para o treinador”, continua o documento.
Segundo o relatório, em 2012, um jogador de basquete de 17 anos, de Osaka, suicidou-se depois de sofrer repetidos abusos físicos por parte do treinador. Meses depois, o técnico da equipa feminina de judo renunciou devido a acusações de que havia abusado fisicamente de atletas durante as preparações para as Olimpíadas de Londres de 2012.
Esses casos, assim como a candidatura do Japão aos Jogos Olímpicos de 2020, levaram à introdução de reformas para erradicar uma prática conhecida como ‘taibatsu’ em japonês, com uma declaração, em 2013, sobre a eliminação da violência no desporto, exigindo que as organizações rastreiem os abusos e estabeleçam sistemas de denúncia para as vítimas.
Os especialistas da HRW tentaram verificar os relatórios de várias organizações desportivas e das federações nacionais, concluindo que são “inacessíveis”. A organização escreveu para diversas federações desportivas no Japão, solicitando que divulgassem os processos e dados sobre investigações de abuso. Salvo raras exceções, recusaram-se a responder.
“Para acabar com o abuso de jovens atletas no Japão, o país precisará de uma abordagem unificada, guiada por regras e padrões claros”, refere o relatório. “Para começar, o governo deveria proibir explicitamente qualquer forma de abuso como técnica de treinamento e estabelecer um Centro Japonês para o Desporto Seguro, um órgão independente encarregado exclusivamente de lidar com o abuso infantil no desporto”.
Esse órgão”, continua, “deve ter a responsabilidade de criar e manter padrões para a proteção de crianças atletas e deve servir como autoridade administrativa central para investigar relatos de abuso e emitir sanções proporcionais contra treinadores abusivos. Os casos de abuso que envolvem comportamento criminoso também devem ser encaminhados para as autoridades e para o Ministério Público para investigação criminal simultânea”.
Desde 2018 houve outros casos de suicídio, como Tsubasa Araya, de 17 anos, que deixou uma nota onde dizia “voleibol é o mais difícil”, depois de ter sido supostamente abusado verbal e fisicamente pelo treinador.
Também no ano passado, uma tenista de 15 anos, de Ibaraki, suicidou-se. Na nota que deixou, revelava que o seu treinador ameaçava constantemente que lhe ia bater ou matar. Com os Jogos Olímpicos de 2020 adiados por um ano por causa da pandemia de covid-19, a HRW pede ao Japão que tome “ações decisivas”.
“O Japão tem uma oportunidade única de mostrar ao mundo que se importa com os seus jovens atletas e de liderar ao tornar o desporto seguro para todos”, frisa o relatório. “Ao fazer isso, o Japão, como país pioneiro da Parceria Global da ONU para Acabar com a Violência, honraria o seu compromisso de acabar com a violência contra crianças”.
E acrescenta: “Tomar medidas decisivas para proteger os jovens atletas enviará uma mensagem às crianças do Japão de que a sua saúde e bem-estar são importantes, alertará os treinadores abusivos de que o seu comportamento não será mais tolerado e servirá de modelo para outros países acabarem com o abuso infantil no desporto”.
O Comité Olímpico Internacional (COI) disse em comunicado: “Reconhecemos o relatório da Human Rights Watch intitulado ‘Fui atingido tantas vezes que não consigo contar’ – abuso de crianças atletas no Japão. Infelizmente, o assédio e o abuso fazem parte da sociedade e também ocorrem no desporto. O COI está junto com os atletas, em todos os lugares, para afirmar que abuso de qualquer tipo é contrário aos valores do atletismo, que exige respeito por todos. Todos os membros da sociedade são iguais no seu direito ao respeito e dignidade, assim como todos os atletas têm direito a um ambiente desportivo seguro – que seja justo, equitativo e livre de todas as formas de assédio e abuso”.
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