Postura descontraída, sorriso permanente, adora o voleibol e não procura maior reconhecimento. Bruno Cunha, 23 anos, internacional português.
Reforçou a Fonte do Bastardo para a nova época e já foi uma das figuras no «jogo grande» do domingo passado, na Supertaça, quando a equipa açoriana venceu o Sporting por 3-2. Nesta entrevista ao ZAP, o jovem de Viana do Castelo fala sobre voleibol, estrangeiros, futebol, psicologia…
ZAP – Aos 23 anos, fala-me sobre a tua história de vida. O voleibol apareceu quando e onde?
Bruno Cunha (BC) – Apareceu relativamente cedo. A minha família esteve sempre muito ligada ao desporto, o meu pai é treinador de atletismo, a minha casa sempre foi uma casa muito desportiva. E estávamos ligados a muitas outras modalidades, fora do futebol; víamos um bocado de tudo. Os meus pais sempre foram apologistas de os filhos fazerem alguma coisa, de procurarem interesses fora da escola. Praticámos remo, futsal, basquetebol… Em Viana do Castelo eu e o meu irmão gémeo (Miguel Cunha, jogador do VC Viana) experimentámos o voleibol e ficámos. Éramos rapazes altos, já quando éramos jovens, e isso acabou por nos dar alguma vantagem. Começámos a criar grupos de amigos no voleibol e pronto.
ZAP – Sempre andaste pelo Norte de Portugal Continental. Agora estás nos Açores porquê?
BC – Mudar de ares já seria minha intenção. A proposta apareceu e eu sempre vi a Fonte do Bastardo como uma opção interessante para mim. Sem tirar mérito ao Sporting de Espinho, o meu clube anterior, na Fonte do Bastardo o projeto é um bocado mais profissional, os atletas estão mais disponíveis para o trabalho bidiário, para o treino. Os atletas são profissionais na sua totalidade. Em Espinho o cenário era mais misto, embora fosse mais profissional do que todas as minhas experiências anteriores, sem dúvida. Atraiu-me bastante estar neste contexto de quase estágio permanente, de ficar completamente concentrado no voleibol. E queria tentar algo novo, sair da minha zona de conforto.
ZAP – E estás a gostar, para já?
BC – Estou a gostar bastante. Sou uma pessoa muito pacata. Viana do Castelo é uma cidade muito calma, por isso não me faz muita confusão estar aqui na Terceira e a minha vida ser quase voleibol-comer-dormir, e depois voleibol-comer-dormir… Não me chateia muito porque eu gosto muito de jogar voleibol!
ZAP – No grande jogo da Supertaça, com o Sporting, na grande maioria do tempo foste o único jogador português em campo, do lado da Fonte do Bastardo. No Sporting o cenário é praticamente igual, apenas um português a jogar, muitas vezes. As melhores equipas em Portugal precisam de vários estrangeiros para estar no topo? Ou os melhores portugueses jogam lá fora?
BC – É uma mistura das duas coisas. Os jogadores portugueses mais conceituados, e mais importantes na seleção nacional, preferem jogar noutros campeonatos, o que é totalmente legítimo. E acabam por ter muito sucesso. Aqui também temos vários internacionais portugueses, mas há sempre necessidade de ir buscar reforços ao estrangeiro para assegurar a evolução da qualidade do nosso campeonato. Nós temos um campeonato relativamente grande, com muitas equipas na I Divisão, e nunca vai haver jogadores portugueses suficientes para cobrir a necessidade de todos os clubes e para manter o nível competitivo lá em cima. Infelizmente, as coisas ainda não chegaram a esse ponto.
ZAP – E porquê?
BC – Isso é um trinta e um, assim daqueles…
ZAP – A pergunta não é. A resposta pode ser.
BC – Vem da cultura portuguesa, todos temos responsabilidade. Pode-se fazer um pouco mais nos clubes, onde já se faz muito. Talvez possamos mudar a mentalidade, chamar os miúdos. Dizer-lhes que o desporto é uma opção, é viável para os jovens. E deixarmos de nos esconder por detrás daquela ideia generalizada nos pais, que é: “O meu filho tem que tirar um curso”. Esse pensamento é correto, é a maneira mais segura de pensar. Mas porque não arriscar? O que acontece muitas vezes é haver muitos atletas na formação mas, quando se chega a uma idade mais adulta, há muito abandono porque há dificuldades em conciliar as coisas, há conflito de interesses… Se calhar porque o voleibol não é aliciante o suficiente, do ponto de vista financeiro. Ou então porque existe alguma pressão da sociedade para abandonarmos o desporto em prol da nossa carreira académica.
ZAP – Qual é a tua postura em relação ao destaque que é dado ao futebol na comunicação social, em geral? Desvalorizando muito os grandes jogos e os grandes feitos noutras modalidades.
BC – É uma conversa antiga. Mas não é justo estarmos a colocar as culpas todas na comunicação social por essa falta de informação diversificada. É a oferta e a procura. É o que é: o consumo é muito virado para o futebol e, da parte da comunicação social, não seria muito inteligente não dar ao povo o que o povo quer. Entro num café, estão a falar de futebol; o jornal das oito abre com futebol; as pessoas estão na rua, falam sobre futebol. Se o futebol ocupa claramente a cabeça das pessoas… Mudar isso seria um processo que teria de começar por algum lado. Mas nem eu sei dizer por onde.
ZAP – Vocês também não estão no voleibol à procura de reconhecimento.
BC – Não. Pegando, por exemplo, no caso do Miguel Maia (Sporting), imagino que ele não fique muito chateado por não obter o reconhecimento que merecia por parte da comunicação social. Porque todos nós sabemos como é este jogo, como funciona. No nosso pequeno mundo as coisas são reconhecidas, dão-nos o devido valor; e não precisamos de mais. Não preciso de ver o jornal às oito.
“Não vejo como não sorrir”
ZAP – Agora o assunto é a tua postura nos jogos… Ainda neste domingo, no duelo com o Sporting, durante o jogo disseste bem alto que quase morreste sete vezes na mesma jogada, porque escorregaste sete vezes. Estiveste a dançar, a rir, deste uma carga de ombro no treinador (José Coelho)… Estás assim à vontade em qualquer jogo? É a tua postura no voleibol e na vida?
BC – Essas coisas acabam por sair naturalmente. Eu pratico voleibol como se fosse um miúdo a divertir-se muito. Tenho muita sorte, aliada ao trabalho, por passar pelas experiências que já passei e passo. Eu imaginava isto quando tinha 12 ou 13 anos e falava nisto com o meu irmão, à noite, no meu quarto. E agora estou a passar por esses momentos. Não vejo como não sorrir, como não aproveitar ao máximo, como não ser um miúdo a entrar numa loja de brinquedos. É impossível esconder o meu sorriso, é impossível não estar a divertir-me. Claro que há momentos para tudo, há momentos que exigem mais seriedade. Se calhar por estarmos no início de época e tal, admitem-se alguns momentos desses. É a minha postura e é isso que, muitas vezes, me ajuda a não dar demasiada importância às coisas. Isto só tem piada se nos divertirmos um bocado, também.
ZAP – Tens outros gostos, outras rotinas na tua vida? Mindfulness, por exemplo?
BC – Bem, a minha irmã é psicóloga. E dou muito valor ao trabalho de mindfulness e de coaching, como lhe chamam agora. Tento melhorar o meu trabalho mental, a minha disponibilidade para os desafios. Tento perceber porque as coisas funcionam de certa maneira, para não me deixar ser surpreendido, para não estar a viver o pânico, para controlar as emoções. Gosto de ler, quer experiências ou biografias de pessoas que admiro, por exemplo, quer conteúdos mais clínicos que abordem o trabalho mental no jogo. Isto é algo que me fascina também. Não só porque quero melhorar nisso, mas também porque este trabalho é algo que falta explorar no desporto. A nível de trabalho físico, já se faz muito. Faz-se mais do que o suficiente. Mas eu gosto de perceber o que distingue um suprassumo do desporto de uma pessoa banal. Porque é que esse suprassumo consegue manter a sua consistência de jogo, consegue superar os desafios, superar a alta pressão… Tudo isto fascina-me bastante.
ZAP – O que falta fazer a nível mental no desporto?
BC – Socialmente ainda há muitos estigmas e preconceito à volta da psicologia. Falta as pessoas abrirem-se um bocado. Os jogadores, como tantas outras pessoas, precisam de falar sobre os problemas deles. Um atleta profissional pode ser colocado num pedestal e pode sofrer. Muitas vezes precisa de ajuda. E quem é que os ajuda, muitas vezes? Os familiares. Que, se calhar, nem estão preparados o suficiente para ajudar da melhor maneira e fazem o que podem. Os clubes poderiam procurar dar mais esse apoio psicológico, tentar que os jogadores falem mais sobre o que lhes passa pela cabeça. Agora, eu compreendo que não seja fácil e que nem todos os clubes tenham os meios de fazer isso já.
ZAP – E entraste na universidade.
BC – Estou inscrito em engenharia mecânica, na Universidade do Minho. Mas a minha matrícula está congelada, para estar focado no voleibol. Daqui a 10 ou 20 anos não quero estar a pensar: “Ei, o que eu poderia ter feito…”. Estou a aproveitar o voleibol agora e, depois, acabo o curso e penso no mercado de trabalho.
ZAP – O teu mercado de trabalho, agora, é o voleibol.
BC – É isso.
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