O Governo já abriu um inquérito à atuação da PSP nos festejos leoninos. O secretário de Estado descartou responsabilidades na preparação da festa. Vários especialistas consideram que vai haver um aumento de contágios.
Esta quarta-feira, o primeiro-ministro, António Costa, esteve na Assembleia da República para quatro horas de debate político, tendo sido encostado às cordas por causa de temas como a festa sportinguista, a situação em Odemira e o Novo Banco.
Relativamente aos festejos leoninos, Costa recusou “atirar pedras” ao clube, aos adeptos ou à polícia e anunciou que o Governo já pediu à Inspeção-geral da Administração Interna a abertura de um inquérito à atuação da PSP.
“O senhor ministro da Administração Interna já teve ocasião de fazer um despacho, primeiro solicitando à PSP informações sobre como tinha sido articulado todo o planeamento com o conjunto das entidades envolvidas, desde o Sporting Clube e Portugal à Câmara Municipal de Lisboa e à Direção-geral da Saúde, e solicitando à Inspeção-geral da Administração Interna um inquérito à atuação da Polícia de Segurança Pública naquele contexto de ontem”, anunciou António Costa.
De manhã, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, já tinha feito críticas ao que se tinha verificado na noite passada na capital lisboeta. “Quem deve prevenir não conseguiu prevenir e quem deveria prevenir são, naturalmente, as entidades responsáveis por isso”, mas também “todos os cidadãos”.
Ao final da tarde, a Câmara de Lisboa informou que não será permitida a presença de adeptos na receção à equipa na autarquia, que está marcada para a próxima semana. A cerimónia está reservada a convidados e atletas do clube, em especial das escolas, bem como aos órgãos de comunicação social.
Também ontem, em declarações aos jornalistas, João Paulo Rebelo, secretário de Estado do Desporto, disse que estava a par das reuniões tidas entre autoridades de saúde, forças de segurança e agentes desportivos para tentar antecipar e organizar a festa, mas que não esteve envolvido nesses encontros.
O governante lembrou que fez um apelo aos adeptos, no início da semana, para terem o melhor comportamento possível, tendo em conta a pandemia, mas que isso não se verificou. “A responsabilidade dos adeptos, como todos pudemos ver, não foi atendida“, cita a rádio TSF.
O secretário de Estado garantiu, no entanto, que não está a fugir às suas responsabilidades. “Não é querer estar, como diz o povo, a sacudir a água do capote. Mas a verdade é que não é o secretário de Estado do Desporto, tal como não é por haver uma manifestação de professores onde haja desacatos que é chamado à coação o ministro da Educação”, considerou.
Festa foi comunicada à Câmara como “manifestação”
Segundo o jornal Público, a Juventude Leonina, claque que organizou o evento de celebração do título, garantiu ter informado as entidades relevantes, nomeadamente ao “gabinete de apoio do Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, à Direção-Geral da Saúde, às forças de segurança e demais instituições envolvidas”.
O jornal apurou que, apesar do palco, ecrãs para ver o jogo, música e bebidas, a Juve Leo realizou a concentração nas imediações do estádio invocando que se trataria de uma “manifestação” que iria decorrer entre as 14h00 e as 23h00.
A autarquia já confirmou que “recebeu comunicação de manifestação junto ao estádio de Alvalade, que remeteu, conforme a lei, para a PSP”, destacando que “o direito de manifestação não está (e não pode estar) sujeito, nos termos da Constituição, a qualquer autorização ou condicionamento por parte das Câmaras Municipais”.
Durante a preparação da organização da festa, segundo o mesmo diário, existiram divergências entre a DGS e a PSP. A Câmara chegou a recomendar um percurso mais longo para o autocarro, o que permitiria uma maior distribuição dos adeptos, mas as forças de segurança consideraram que seria uma opção “muito complexa”.
Segundo a SIC Notícias, a reunião de planeamento, na passada sexta-feira, foi presidida pelo chefe de gabinete do secretário de Estado da Administração Interna e estiveram presentes a PSP, representantes da Câmara de Lisboa, do Sporting e da DGS.
O clube leonino avançou com a ideia do desfile do autocarro, algo a que a PSP se opôs desde início, por considerar que esta iniciativa levaria a grandes aglomerados, tal como se veio a verificar.
Ao que o canal televisivo apurou, na segunda-feira, o diretor nacional da PSP tomou a iniciativa de enviar um ofício ao Ministério da Administração Interna (MAI) a solicitar uma intervenção política.
Entretanto, a PSP já veio explicar que o desfile da equipa entre o estádio e a Rotunda do Marquês de Pombal não foi cancelado depois de ponderados “os impactos negativos na ordem e tranquilidade públicas, resultantes da sua anulação”, cita o Público.
“A PSP planeou e executou um policiamento de grande envergadura, em diversas cidades na sua área de responsabilidade territorial”, destacando ainda que os festejos resultaram “em alterações relevantes da ordem pública”.
O Sporting, por sua vez, garante que não organizou nem autorizou a festa nas imediações de Alvalade e atirou responsabilidades para a Juventude Leonina, com quem mantém um diferendo judicial.
Aumento de infeções? Especialistas estão divididos
Em declarações ao mesmo matutino, vários especialistas não têm dúvida de que houve falta de planeamento por parte das autoridades.
“É claro que houve falta de planeamento adequado. Deveriam ter sido criados mais espaços para as pessoas se separarem, mas permitiu-se a aglomeração de uma grande massa de pessoas num único sítio”, afirmou Bernardo Gomes, professor na Faculdade de Medicina e no Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto.
“O que nós vimos ontem foi precisamente o contrário de um planeamento de festejos. Vimos o caos que aconteceu: milhares de pessoas sem máscara que se juntaram sem respeitar distâncias. Houve um caos que se instalou e que obrigou a uma intervenção policial, com alguns feridos”, disse, por sua vez, Celso Cunha, professor do Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade Nova de Lisboa.
Em declarações à rádio TSF, o epidemiologista Manuel Carmo Gomes lançou um apelo para que o Sporting promova, em conjunto com a DGS, testes massivos a quem esteve na festa.
“Gostava de ver o clube envolvido a mostrar responsabilidade social e a envolver-se neste apelo aos adeptos para que se testem, idealmente, colaborando com as autoridades de saúde, lado a lado, incentivar os adeptos a testarem-se”.
“O presidente do clube é um clínico e percebe, com certeza, a necessidade disto e da importância que o próprio clube tem em apelar às próprias pessoas que se testem. Vamos minimizar as consequências”, apelou.
Citado pelo Expresso, o virologista Paulo Paixão também já tinha considerado que “fazia sentido organizar um rastreio em massa” para acautelar eventuais consequências.
Em declarações à Rádio Observador, o especialista Pedro Pita Barros também defendeu que a festa verde e branca pode vir a ter consequências negativas. “Os festejos do Sporting são preocupantes e vão aumentar os níveis de contágio.”
Por seu lado, o investigador da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Carlos Antunes, considera que, face à atual prevalência de covid-19 em Portugal, o risco de os festejos desencadearem um descontrolo epidemiológico é baixo.
“Do ponto de vista matemático, sabendo a natureza do contágio, o risco é baixo. Por cada 10 mil que lá estiveram sairão de lá quatro pessoas infetadas”, explicou.
No entender do especialista, a probabilidade de terem estado pessoas infetadas nos festejos em Lisboa é baixa, uma vez que a prevalência da doença na região de Lisboa e Vale do Tejo é de 0,04%.
Contudo, o investigador também considera prudente que quem esteve nos festejos reduza os seus contactos e realize um auto-teste dois a três dias depois. “Se houver esta prudência, então a situação é de menor risco ainda”, frisou.
Esta quarta-feira, a DGS já divulgou um conjunto de recomendações para os adeptos que estiveram nos festejos do título, entre as quais reduzir os contactos nos próximos 14 dias, estar atento a sintomas de covid-19 e, se possível, fazer um teste entre o quinto e o décimo dia a contar das celebrações.
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