Época surpreendente em Alpendorada, numa equipa que passou do último lugar para a presença numa competição europeia. Rita Guimarães destacou-se, aos 15 anos.
Março de 2020: termina a primeira fase do campeonato nacional feminino de andebol e a Associação Recreativa e Cultural de Alpendorada (ARCA) fica no último lugar. Em 22 jogos, ganhou uma vez, empatou quatro e perdeu nas outras 17 partidas. A época acabou aí por causa do coronavírus. Na temporada seguinte, 2020/21, a ARCA ficou às portas do pódio, terminando o campeonato no quarto lugar, e chegou à final da Taça de Portugal. Como o Benfica (vice-campeão) abdicou de jogar na Europa, a equipa de Alpendorada estará na próxima Taça EHF.
O que mudou em poucos meses? “O chip foi alterado“, responde o treinador Alexandre Monteiro: “Só à medida que o tempo foi passando, nesta época, fomos acreditando que podíamos subir mais um degrau. A equipa era mais nova, com miúdas novas mas com muito potencial“, descreveu em entrevista ao ZAP.
Quatro das habituais titulares deixaram Alpendorada em 2020. Ou seja, teoricamente haveria uma quebra ainda maior nos resultados. A ARCA contratou “uma ou outra jogadora” mas a aposta foi na formação – e deu bons resultados. “Andávamos no último lugar e, de repente… Era impensável, surreal, pensar nisto há um ano“.
Esta caminhada de sucesso deveu-se ao “muito trabalho e vontade, às jogadoras que acreditaram nelas próprias e que tiveram muita ambição”, segundo o técnico.
Entre o sucesso e a ambição, surgiu uma estreia na história do clube marcoense: Leonor Fernandes foi convocada para a seleção nacional. Nunca uma jogadora da ARCA tinha sido chamada para compromissos da seleção nacional feminina sénior. “Isso passou uma mensagem clara às outras atletas: com trabalho, com dedicação, com foco e com um conjunto de coisas que não dependem só dela, as coisas podem acontecer”, comentou Alexandre.
Leonor já não estará em Alpendorada na próxima época: vai reforçar o Alavarium. Não estará Leonor, não estará Ângela Pessoa (reforço do Madeira SAD) e não estará Mariana Costa (Benfica) – as duas últimas cresceram na ARCA. O treinador sente um misto de orgulho e tristeza pela saída destas atletas, que vão reforçar as únicas equipas que ficaram à frente da ARCA na classificação: “Orgulho porque vão para equipas que têm melhores condições, mas tristeza porque tínhamos hipótese de solidificar a nossa equipa num patamar superior; mas teremos de voltar a trabalhar, procurar soluções”.
É realista pensar em manter este nível na nova temporada? “Vai depender do mercado. Queremos manter a luta pelos lugares de cima, mas nesta altura não sei”, disse o técnico, que anunciou ainda a perda de jogadoras provenientes da formação, que estavam no clube “há imensos anos” mas que, por motivos profissionais, e agora que terminaram a faculdade, vão abandonar o andebol – neste plantel jovem, mais de metade das jogadoras tem 20 anos ou menos.
Rita, 15 anos, guarda-redes titular
No meio da juventude destacou-se Rita Guimarães, que em dezembro do ano passado “saltou” para a baliza. A guarda-redes, formada no clube, passou a ser titular da equipa de Alpendorada…aos 15 anos.
O que tem Rita de especial? “Tem um talento natural que pouco se vê. Ela teve um rendimento ao nível das melhores, não foi só estar na primeira divisão. A Rita, estando bem, chega ao nível de eficácia das guarda-redes da nossa seleção nacional e de algumas estrangeiras. Tem muito potencial”.
Rita tem a particularidade de, quer realize uma grande defesa, quer cometa uma falha enorme, continuar tranquila: “E não é maturidade, é a personalidade dela. O jogo, sendo complicado ou não, ela muitas vezes está no mundo dela, parece que nem está em competição“.
“Agora tem que manter os pés na terra e tem de continuar a trabalhar, sem deixar que as coisas lhe subam à cabeça. Ela é fantástica no que diz respeito à sua humildade. Deverá mantê-la”, aconselhou o treinador.
Alexandre Monteiro explicou que Rita Guimarães já tinha sido identificada como potencial talento em anos anteriores, na formação: “Depois fiz muita força junto da direção para justificar a presença de uma menina de 15 anos no plantel sénior, que há um ano estava a jogar num campeonato regional de iniciadas e, um ano depois, está numa final da Taça de Portugal de séniores. Foi uma aposta certeira”.
Precisamente na final da Taça de Portugal, em junho, que a ARCA perdeu diante da Madeira SAD, Rita falhou e Alexandre explicou porquê: “Ela sentiu muita pressão. No dia anterior foi eleita a melhor do jogo, nas meias-finais (contra a SIM Porto Salvo), e de repente uma série de pessoas apareceram a querer falar com ela. Para uma miúda que não está habituada a esta exposição…”.
“A final foi um dos seus piores jogos. Ela estava a lutar contra ela própria, com um nível elevado de ansiedade. E soltou algumas lágrimas. Se tivesse estado num dia normal, na final, a ARCA teria vencido a Taça de Portugal. Mas é injusto dizer isto: foi ela que nos colocou na final, no dia anterior”, reforçou.
A própria Rita Guimarães – que entretanto completou 16 anos no final de junho – em entrevista ao ZAP contou que apareceu bem cedo no mundo do andebol porque, quando era criança, começou a treinar e gostou.
Há um ano, não esperava jogar já na equipa principal, onde se estreou “muito nervosa”, confessou a guarda-redes: “Ao início foi um bocado complicado. Eu não falava, basicamente. Mas depois as colegas de equipa começaram a meter-se mais comigo, acolheram-me muito bem e, no final da época, já me dava muito bem com elas”.
Aluna no ensino secundário, Rita passa ao lado das atenções na escola: “Continuo a ser a mesma Rita de há um ano. Entre os colegas de turma, alguns nem sequer sabem que eu jogo andebol“.
Já depois de a época ter terminado, Rita Guimarães foi convocada para a fase final do Europeu sub-17. “Espero aprender muito”, disse a jovem atleta, que em breve viajará para Montenegro, país organizador do Europeu, entre 5 e 15 de agosto.
[sc name=”assina” by=”Nuno Teixeira, ZAP” ]
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