Os Jogos Olímpicos de Inverno de 2022 vão ser na China. O problema? Em algumas zonas, não há neve

Arthur Hanse, um dos representantes de Portugal nos Jogos Olímpicos de Inverno em Sochi

De acordo com pesquisas internacionais, a organização das Olimpíadas de inverno vai obrigar à utilização de mais de 180 milhões de litros de água para a produção de neve artificial.

Se é verdade que ao longo da história os Jogos Olímpicos sempre refletiram muito do contexto social e político que o mundo vive, a edição de inverno das Olimpíadas de 2022, não será uma exceção. Apesar de se tratar de uma edição altamente contestada pelos problemas do país anfitrião, a China, em matérias como os direitos humanos, há outra questão que também está a preocupar os ativistas, desta feita, ambientais.

As montanhas onde está prevista a realização dos desportos alpinos vão proporcionar, sem sombra de dúvidas, imagens maravilhosas para a transmissão televisiva e para todos os espectadores à volta do mundo, mas carecem de um elemento importante: neve verdadeira. Entre janeiro e março deste ano, O Centro Nacional de Ski Alpino de Yanqing contabilizou apenas 2 cm de neve, um valor que é ultrapassado por capitais europeias tais como Londres, Paris ou Madrid, de acordo com o site World Weather Online, citado pelo The Guardian.

Como tal, o Comité Olímpico Internacional enfrenta sérias questões ambientais, decorrentes do impacto da produção de neve artificial. Esta problemática vem juntar-se a outra, que diz respeito à possibilidade de a pista ter sido construída numa reserva natural que deveria estar protegida contra qualquer tipo de agressão humana. De acordo com alguns sites internacionais, a organização dos Jogos Olímpicos de Inverno de 2022 vai precisar de mais de 180 milhões de litros de água para recriar neve artificial, de forma a permitir a realização das provas previstas.

Isto faz com que a próxima edição do evento seja “a menos sustentável” de sempre, aponta Carmen de Jon, professora e geografa da Universidade de Estrasburgo. “Estas montanhas não têm virtualmente neve natural”, aponta. A especialista aponta ainda que a teve artificial requer, para além da água, um elevado consumo de energia, o que terá consequências para a saúde dos solos, nomeadamente ao nível da erosão.

A inexistência de teve tanto na estância de Yanqing como na de Zhangjiakou já tinha sido reconhecida em 2015 pelo Comité Olímpico Internacional. “Elas têm uma queda de neve anual mínima e os Jogos dependerão completamente em neve artificial”, admitiu o organismo. Na corrida para a realização do evento estiveram cidades como Estocolmo, Oslo ou Munique, mas acabaram por retirar as suas candidaturas para aos custos inerentes à realização dos Jogos ou face ao pouco apoio das suas populações.

Espera-se, assim, que cerca de 200 canhões de neve recriem, durante aos Jogos Olímpicos, um cenário branco ao longo das montanhas de Yanquing, com uma rede de tubos e valas a fornecerem a água necessária para tal operação a partir de um reservatório.

Apesar da componente artificial da neve, esta é muitas vezes preferida pelos atletas, que destacam o caráter “mais duro” das pistas, que acabam por se tornar mais rápidas e conferir mais aderência.

Esta também não é a primeira vez que o COI escolhe para a realização dos Jogos Olímpicos de Inverno localizações “com mais pedra do que neve”. A última edição, que teve lugar em Pyeongchang, na Coreia do Sul, também teve de recorrer a soluções semelhantes, face ao clima árido que ali existe. No entanto, vale a pena lutar que Pequim tem recursos hídricos escassos, apesar de ter garantido ao organismo internacional que a falta de água não seria um problema, nem que para isso a organização tivesse de recorrer a reservas existentes.

Para além da questão da água, os ambientalistas recordam ainda a possibilidade de a pista coincidir com o perímetro da Reserva Nacional Natural de Songshan, o que em 2015 já levou um grupo de cientistas a levantar preocupações em relação a esta matéria. Um artigo científico publicado na revista fazia referência a uma publicação na internet feita pelo cientista Wang Xi, pertencente à Academia Chinesa das Ciências. Essa mesma publicação incluía um mapa que mostrava como é que o início e o fim das pistas iriam coincidir com o interior da área da reserva.

Perante a quantidade de atenção e cliques que mereceu, a publicação foi posteriormente apagada da internet. Um responsável regional afirmou à imprensa, posteriormente, que o perímetro do complexo olímpico havia sido redesenhado para que nenhum dos equipamentos violasse as barreiras do parque.

No ano passado, o governo nacional fez questão de publicar um estudo de sustentabilidade que dava conta que o evento iria cumprir com as metas estabelecidas pela Organização das Nações Unidas na Agenda para o Desenvolvimento Sustentável. O documento faz referência ao uso de energia renovável nas estruturas destinadas à realização das competições, mas também o uso de recursos hídricos reciclados. “Devemos dar prioridade à conservação ecológica e de recursos, práticas amigas do ambiente e contribuir igualmente para um bom ambiente”, pode ler-se.

Richard Butler, professor emérito de turismo na Universidade de Strathclyde, discorda desta visão que as autoridades chinesas estão a tentar passar. “Os Jogos Olímpicos de 2022 mostram claramente o quão mal usado, e agora inútil, o termo “sustentabilidade” se tornou. É usado para qualquer coisa que as pessoas querem e ficou sem significado. Claramente, o dinheiro, o poder, a influência e a política juntaram-se para entregarem os Jogos a uma área sem neve suficiente”.

Este problema, ainda assim, pode não ser um problema circunscrito às competições desportivas, já que a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico previu em 2007 que as alterações climáticas pudessem significar o fim de dois terços das áreas de ski nos Alpes. O alerta avisava ainda para o impacto desta alteração nos recursos de água disponíveis, mas também na ecologia local, que pode ter o processo de produção de neve artificial.

Martin Bell, um esquiador que já competiu em quatro Jogos Olímpicos considera que as tecnologias recentes podem ajudar a assegurar que o processo de produção de neve artificial é mais amigo do ambiente. “A produção de neve é uma parte integrante do desporto, por isso temos de ter a certeza que tudo é feito da forma mais cuidadosa possível. Enquanto desportistas, adoraríamos competir sempre nos Alpes, com aldeias lindas por perto e sinos das igrejas a tocar, mas percebemos que o desporto precisa de se espalhar para se tornar uma modalidade verdadeiramente mundial. E ir à China pode ajudar nisso.”

Da parte do Comité Olímpico Internacional, a posição é que a decisão de entregar as Olimpíadas de inverno vai muito para além da neve disponível.

“Uma série de processos de conservação e reutilização de água tem sido desenhados e implementados para otimizar o uso deste recurso, seja para a produção e neve, consumo humano ou outro propósito. Yanqing é rica em recursos hídricos, em comparação com as suas áreas vizinhas. A missão de Pequim 2022 é ser verde, aberta, inclusiva e limpa, pelo que deverá usar energia renovável em todas as infraestruturas onde decorrerão competições”, afirmou o organismo.

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