O que se passa com os franceses? “Eles não sabem viver sem liberdade”

Seis episódios mediáticos de violência – e a época só começou há três meses. ZAP falou com alguém que conhece bem um mercado francês (e os franceses).

Agosto de 2021, início da Ligue 1, o principal campeonato francês de futebol. Ninguém sabia mas também começou aí uma série de episódios violentos – todos em França.

Logo em Agosto o Nice-Marselha não chegou ao fim. Os adeptos do Nice já tinham sido avisados pelo árbitro por terem atirado objectos para o relvado. Mesmo assim, continuaram e alguém acertou em Dimitri Payet. O futebolista do Marselha pegou na garrafa de água que o tinha atingido e atirou a garrafa para a bancada. Resultado: invasão de campo, agressões e o jogo acabou logo ali.

Em Setembro, dois momentos lamentáveis. O primeiro foi no duelo entre Lens e Lille, que também foi interrompido. Adeptos das duas equipas envolveram-se em confrontos durante o intervalo, durante o qual também houve invasão de campo. O segundo voltou a contar com o Marselha, desta vez com os seus adeptos, que invadiram o campo e iniciaram confrontos com adeptos do Angers.

Em Outubro, um autocarro com adeptos do Bordéus foi apedrejado à chegada a Montpellier. E, poucos dias depois, mas em jogo a contar para a Liga Europa, adeptos de Marselha e Galatasaray atiraram objectos e o jogo foi interrompido; depois também houve momentos “quentes” entre diversos jogadores.

No domingo passado, mais um jogo interrompido, desta vez logo aos cinco minutos, e mais um com o Marselha em campo: Payet foi atingido por uma garrafa de água, atirada por um adepto do Nice.

Pelo menos seis cenas lamentáveis e graves, em menos de três meses, e sempre no futebol francês.

E porquê?

Cruzámo-nos com Julien (nome fictício), de uma empresa de alojamento local, a nível nacional, em França. No seu negócio os anfitriões são (quase todos) franceses e os hóspedes são (quase todos) franceses.

Julien vive em Portugal há alguns anos mas o seu idioma natural é o francês e conhece o mercado francês – e os franceses – muito bem. As conversas diárias que tem são sempre com franceses.

Logo no início da conversa, verificámos (ou confirmámos) que a mudança de comportamentos nos franceses não está a acontecer apenas nos estádios.

“As pessoas que recebem os hóspedes têm-me contactado frequentemente, apresentando queixas”, começou.

Quais queixas? “Os franceses passaram a ser mais brutos, com comportamentos mais grosseiros e estão menos pacientes. Antes deixavam os espaços limpos, deixavam os espaços como estavam; agora deixam tudo sujo”.

“Não sei, algo aconteceu. O vírus mudou as pessoas em França…”, comentava Julien.

Interrompemos: sim, mudou. Mas o vírus chegou a cerca de 200 países no planeta Terra.

“É verdade”, concordou, embora com um acréscimo: “Mas os franceses sempre viajaram. Estavam habituados a viajar para outros países. E agora tu, que vives em Paris, a viagem que fazes é até Marselha. Não chega”.

E se espreitarmos os livros de História, dos tempos da escola, encontramos outra justificação: “Ao contrário de Portugal, Espanha ou Itália, em França não sabiam o que é viver sem liberdade. Os franceses nunca viveram presos”.

Julien deixa um aviso: “O que está a acontecer em França pode acontecer noutro país. Já é muito tempo nesta nova vida“.

Centrando-se apenas no futebol, Julien lembra um aspecto: há muito tempo que os adeptos do Marselha criam problemas. E muitos adversários têm reacções mais violentas quando têm pela frente o Marselha: “Isso já vem de antes, não foi a pandemia”.

[sc name=”assina” by=”Nuno Teixeira, ZAP” ]


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