Opinião: nível, infantário, violência, exemplo, impunidade. Há vários motivos para eu (e não só) deixar de acompanhar a modalidade em Portugal.
O ZAP não é um artigo recheado de artigos de opinião. Mas há alertas que não devem ser ignorados.
Sendo escrito na manhã de quinta-feira de uma semana europeia, seria natural este texto enaltecer as vitórias de Sporting e Benfica contra as grandes equipas Tottenham e Juventus; ou tentar perceber o que aconteceu ao FC Porto na derrota diante do Brugge.
Mas o assunto hoje são pedras.
Talvez embalado pelo que os colegas do portal zerozero fizeram (e bem) ontem à tarde – em poucos minutos, foram publicados dois artigos de opinião sobre o mesmo assunto; algo raro ou mesmo inédito – decidi expressar por escrito o que comecei a ver há muito tempo.
Não sou adepto do FC Porto (nem de nenhum “grande”, já agora) mas sou adepto da paz. E do que está correcto.
Há tanta coisa que não está correcta no futebol em Portugal…
Não, não é episódio raro
Quem está a ler poderá lançar já a pergunta: era preciso um artigo de opinião que tem como base um episódio raro de violência?
Não, não é raro. Quer dizer, apedrejar o carro onde estão familiares de um treinador é raro. Mas a violência não é rara no futebol em Portugal.
E não estou a referir-me (apenas) às cadeiras que voam dentro dos estádios, aos objectos atirados contra jogadores e árbitros, ou aos empurrões, socos e pontapés que vão surgindo nas bancadas.
A violência verbal é violência. As ameaças são violência. A pressão psicológica é violência. E aí, basta entrar num estádio qualquer da I Liga – e não só – para ouvirmos e vermos episódios desses, quase em cada minuto de qualquer jogo.
Deixei/deixámos de ver futebol
Há pouco mais de um ano, numa conversa com um amigo, surpreendentemente ele disse-me que deixou de ver futebol português.
Ele era fanático pelo Benfica. Mesmo em encontros de amigos, estava sempre a olhar para o telemóvel a seguir o jogo daquela noite.
Mas deixou de se interessar pelo ludopédio que se joga por cá. Rapidamente percebi porquê: por causa do nível de jogo – convenhamos que está longe dos melhores – por causa das constantes birras, por causa do tempo (mal) gasto naquilo, por causa do ambiente generalizado.
Não me lembro se ele utilizou a palavra “birra”. Mas seria adequada, tendo em conta o infantário que vemos no futebol. A luta constante do “eu sou melhor do que tu”, ou a ainda mais frequente “foi ele que começou, não fui eu!”.
E o exemplo vem de cima. Adeptos seguem o que dirigentes, treinadores e jogadores dizem e fazem.
Depois junta-se a comunicação social. Três jornais desportivos diários? Justifica-se? Horas por semana a discutir pormenores, na televisão? (embora aqui sublinhe a decisão feliz de dois canais terem cancelado programas nocturnos sobre infant… sobre futebol).
Todos juntos dão um rico exemplo à sociedade. Sobretudo aos mais novos.
Não, não faz parte
Nem adianta comentarem comigo que as provocações, os protestos e as quezílias “fazem parte” do futebol. O futebol é jogar, é marcar mais golos do que a outra equipa.
Concordo com um treinador de uma equipa da I Liga que, não há muito tempo, defendeu depois de um jogo (mais um que acabou com cenas de violência) que aquilo não faz parte do futebol. “E todos somos responsáveis”, acrescentou. Precisamente.
O leitor já reparou que, se assistir a um jogo de futebol no estádio, até estranha se não estiver sempre a ouvir insultos, protestos, ameaças, ou mesmo a ver empurrões, cuspidelas ou outros momentos do género?
É que, depois, como tudo isso “faz parte”, também passa a ser normal atirar cadeiras, andar aos socos e atirar pedras na direcção de um carro, lá fora.
Adeptos da violência
Tenho a certeza de que quem acertou no carro da esposa de Sérgio Conceição não eram adeptos do FC Porto. Nem do Sporting, Benfica ou Boavista.
Como sei isso? Porque não são adeptos de futebol. São adeptos da violência, da raiva, do ódio. São pessoas que têm a necessidade de utilizarem o futebol para despejar as frustrações da sua vida.
Aplico a mesma descrição às pessoas que, dentro do estádio, insultam e agridem outros constantemente.
Porque “faz parte”. Porque o futebol “também é isso”.
Ignoremos o futebol
Então, já que faz parte, deixei de ver. Eu também deixei de ver futebol português. Já há algum tempo.
E não sou o único.
Em Agosto o FC Porto recebeu o Sporting; eu estava num centro comercial e, sem exagero, estavam mais de 100 pessoas na zona onde eu estava; sem exagero, só uma é que estava a olhar para uma das televisões que estavam a transmitir esse “clássico” em directo.
Ontem mesmo, em noite de Juventus-Benfica, estavam cerca de 30 pessoas num restaurante; só duas estiveram a acompanhar o jogo com atenção.
Aquela ideia de o país parar por causa de jogos de futebol dos “grandes”… Se ainda a tem, esqueça.
Mudança? Duvido
E ainda bem que isso não acontece. Deixarmos de ver futebol não vai imediatamente acabar com o infantário mas, com o tempo, e conforme as audiências e as idas ao estádio forem diminuindo cada vez mais, talvez os responsáveis percebam que é preciso mudar este panorama.
Que deixe de ser normal ver um jogo de futebol transformado em batalha psicológica, social e física. No mau sentido. Que deixe de ser perigoso ir ao estádio.
Duvido de que alguma mudança forte aconteça. Porque haverá gente interessada neste clima. Porque sabem que o ódio, a aversão pelo outro clube, é o que traz muita gente para o futebol.
Não é o futebol que traz muita gente para o futebol – esquisito, não é? Mas é verdade.
Espero que essa mudança não aconteça apenas no dia em que um (novo) ataque seja fatal, que traga consequências (ainda) mais graves para alguém do mundo do futebol.
Mas também, se em breve acontecer uma tragédia, sabem o que vai ser alterado profundamente no futebol português?
Nada.
[sc name=”assina” by=”Nuno Teixeira da Silva, ZAP” ]
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