A saída precoce do Barcelona da Liga dos Campeões é um golpe financeiro grande para o clube, que criou um orçamento a contar com que a equipa chegasse até aos quartos de final. E agora?
Como se a derrota pesada por 3-0 contra o Bayern de Munique não fosse má o suficiente, a eliminação do Barcelona da Liga dos Campeões já estava carimbada ainda antes da equipa pôr um pé em campo devido à goleada de 4-0 imposta pelo Inter de Milão ao Viktoria Plzen — que garantiu que seriam os bávaros e os milaneses a avançar para os oitavos de final e ditou a ida do Barcelona para a Liga Europa.
Com uma dívida de 1,3 mil milhões de euros, o clube espanhol é o mais endividado do mundo. Os problemas financeiros remontam à presidência de Josep Maria Bartomeu, que entrou numa onda de contratações caras e salários milionários após a venda de Neymar ao PSG em 2017.
Philippe Coutinho, por exemplo, foi comprado por 160 milhões de euros ao Liverpool em 2018, Ousmane Dembélé rendeu 140 milhões ao Dortmund em 2017 e Antoine Griezmann saiu do Atlético de Madrid em 2019 por 120 milhões. Nenhum destes jogadores garantiu um bom retorno do investimento, com Coutinho e Griezmann a saírem por 20 milhões e Dembélé a sofrer bastantes lesões.
Para além das transferências desastrosas, os enormes salários pagos aos jogadores afundaram ainda mais as contas dos catalães, com o clube ter de negociar vários cortes e adiamentos dos pagamentos com os atletas.
A pandemia foi a gota de água e o castelo de cartas financeiro criado por Bartomeu começou a ir abaixo com o corte abrupto nas receitas por causa dos confinamentos, que obrigaram a equipa a jogar sem adeptos no estádio.
Joan Laporta assumiu o leme do clube pela segunda vez em Março de 2021 e prometeu levar o clube de volta ao topo do futebol mundial e consertar as dificuldades financeiras.
Para isso, o Barcelona assinou um contrato de quatro anos no valor de 280 milhões de euros com o Spotify, com o serviço de streaming a patrocinar as camisolas e a ter os direitos sobre o nome do estádio, que é agora o Spotify Camp Nou.
O clube arrecadou mais 267 milhões com a venda de 10% dos seus lucros futuros com as transmissões televisivas dos jogos da La Liga nos próximos 25 anos, à Sixth Street. Mais tarde, o clube amealhou mais 400 milhões com a venda de mais 15% destes direitos televisivos futuros, relata a Sports Illustrated.
A venda de duas quotas de 24,5% da Barça Studios, a produtora de conteúdos audiovisuais do clube, à Orpheus Media e à Socios.com trouxeram mais 200 milhões de euros aos cofres do clube.
Para além dos 40 milhões conseguidos com a venda de Coutinho e Griezmann, a saída de Aubameyang para o Chelsea também rendeu mais 35 milhões aos catalães.
Outros jogadores também saíram para aliviarem a folha de pagamentos: Miralem Pjanić, Riqui Puig, Dani Alves, Neto e Francisco Trincão saíram de graça, enquanto que Samuel Umtiti, Sergiño Dest e Clement Lenglet foram emprestados.
O clube tentou ainda livrar-se de Frenkie de Jong, que é agora o jogador mais bem-pago do plantel e esteve no centro de uma bizarra saga no Verão devido ao interesse do Manchester United, mas o médio holandês recusou sair e também não aceitou negociar um corte no salário.
Tudo isto ainda não chegava, por isso o Barcelona invocou o artigo 92 das regras orçamentais da La Liga, que permite que um clube receba dinheiro adiantado temporariamente. O orçamento para 2022-2023 previa receitas líquidas de 275 milhões após tudo isto — mas este optimismo começou a dissipar-se.
Contas complicam-se
Em vez de usar todo o dinheiro arrecadado com estas “alavancas” financeiras para pagar as dívidas aos bancos ou começar a saldar os salários devidos aos jogadores, o Barcelona alinhou num jogo perigoso este Verão.
Determinado a colocar o clube de volta a competir por títulos, Laporta investiu muito deste dinheiro na última janela de transferências, o que fez levantar muitas questões sobre como um clube tão endividado conseguiu comprar tantos jogadores.
Durante o Verão, o Barcelona negociou pacotes para as transferências de Robert Lewandowski por 50 milhões de euros, Raphinha por 68 milhões, Jules Koundé por 60 milhões e Pablo Torre por 25 milhões. Para além disto, Andres Christensen, Franck Kessie, Héctor Bellerín e Marcos Alonso foram contratados de graça, mas vieram juntar-se à folha de pagamentos.
O plano de Laporta era investir o dinheiro arrecadado no Verão no imediato para reforçar a equipa e torná-la mais competitiva, contando que o plantel fosse ganhar títulos e chegar longe na Liga dos Campeões e que o sucesso desportivo se começasse a traduzir num sucesso financeiro.
No entanto, este jogo foi arriscado — e a saída prematura do Barcelona da Liga dos Campeões é prova disso. O clube está, na práctica, a hipotecar o seu futuro para apostar no presente, mas o presente não está a dar os retornos desejados.
Chegar aos oitavos de final da Champions garante aos clubes cerca de 9,6 milhões de euros, enquanto que a qualificação para os quartos de final vale mais 10,6 milhões. Tem sido reportado que o Barcelona planeou o seu orçamento para este ano contando com que a equipa conseguisse chegar aos quartos da liga milionária.
Eduard Romeu, vice-presidente do clube, já está a mostrar-se mais pessimista, admitindo na semana passada que “sem as receitas das ‘alavancas’ teríamos perdido 106 milhões no ano passado e 210 milhões este ano“.
O plantel continua ainda a ser muito caro. Em 2021-2022, o total gasto em salários foi de 518 milhões de euros, mas o orçamento de 2022-2023 prevê uma subida de 27% para 656 milhões de euros, o que indica que a actual administração não aprendeu nada com os erros cometidos durante a presidência ruinosa de Bartomeu.
Os prazos para os pagamentos dos salários que os jogadores aceitaram adiar durante o confinamento também estão a terminar. Frenkie de Jong, Marc-Andre ter Stegen, Sergio Busquets, Gerard Pique e Jordi Alba custam todos mais de 40 milhões de euros ao clube por época, escreve o The Athletic.
O clube está já a ponderar avançar com mais remédios a curto-prazo para um problema estrutural. Os sócios já deram a luz verde para que Laporta possa vender uma quota do departamento de licenças e merchandising do clube e está também a ser ponderada a venda de partes do museu ou dos seus lucros futuros.
No entanto, a certa altura, as “alavancas” vão acabar caso o Barcelona continue a vender todas as suas fontes de receita e o clube não terá forma de fazer lucros, o que pode explicar a sua insistência no projecto da Superliga Europeia. Parece que a crise financeira não dá sinais de abrandar.
[sc name=”assina” by=”Adriana Peixoto, ZAP” ][/sc]
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