Como o PSG de Messi é fundamental na estratégia de “soft power” do Qatar

Messi no PSG
Messi apresentado no Paris Saint-Germain.

Apesar de todas as críticas e apelos de boicote, está tudo preparado para o pontapé de saída do Mundial 2022 no Qatar. O país rico em petróleo gastou cerca de 225 mil milhões de euros com o evento, mas coloca todas as suas “fichas” no Paris Saint-Germain de Lionel Messi – o craque é, verdadeiramente, o grande “activo” da nação que só pode torcer pelo triunfo da Argentina.

O Mundial 2022 no Qatar tem feito correr muita tinta. Entre polémicas sobre os alegados subornos que garantiram ao país do Médio Oriente a organização do evento da FIFA, há também acusações de uma quase escravatura, com denúncias de ameaças e trabalho forçado, entre os trabalhadores que construíram os estádios para o campeonato.

E não podemos esquecer as questões dos direitos das mulheres e das pessoas LGBTQI+ que não estão salvaguardados num país onde a homossexualidade é vista como um “distúrbio mental”.

Mas, para lá de todas as polémicas, nesta altura, não há nada a fazer. O Mundial vai ser no Qatar e será um capítulo bonito da história do país. Mas será isso apenas, uma “folha” do livro que se está a escrever, realmente, com o investimento no Paris Saint-Germain (PSG).

O clube francês é um instrumento central da diplomacia do Emirado, cujo elo vai prolongar-se para lá do torneio – e sem que haja contestação alguma, o que é interessante, considerando que o investimento no PSG não é de privados, mas do próprio Estado do Qatar.

Al Thani toma grandes decisões do PSG

Os donos do PSG são conhecidos como Qatar Sports Investment (QSI), uma subsidiária do Qatar Investment Authority (QIA), o Fundo Soberano estatal do Qatar. A QSI tornou-se na única accionista do clube em 2012.

Desde então, o PSG já recebeu mais de mil milhões de euros do QSI. Mas isso são “peanuts” para o país rico em petróleo – e a fonte não devar secar por aqui!

O presidente do clube é Nasser-Al-Khelaifi, de 47 anos, mas quem toma as grandes decisões é Mohammed Bin Abdulrahman Al Thani, vice-primeiro-ministro, ministro das Relações Exteriores do Qatar, líder do QIA e fundador da QSI.

O QIA também tem investido milhões de euros em empresas estrangeiras, nomeadamente no Barclays Bank, na Harrods e na Sainsbury’s, entre outras.

Quanto ao PSG, o objectivo é dar o tudo por tudo para ganhar a Champions League, o grande troféu europeu que o clube ainda não tem no seu palmarés. Mas o que significará isso, afinal, para o país do Médio Oriente?

Clube “é uma ferramenta de sedução mundial”

É tudo uma questão de “soft power”, ou seja, de “poder suave”, como apontam especialistas em geopolítica ouvidos pela Associated France Press (AFP) num artigo citado pelo The Score.

“Soft power” é um conceito cunhado pelo cientista político americano Joseph Nye, um dos co-autores da teoria do neoliberalismo. A expressão refere-se ao poder da “influência” através de mecanismos de atracção – e o PSG, com Messi à cabeça, é o cavalo-de-batalha do Qatar nesse âmbito.

“Pouco depois da invasão do Kuwait pelos Estados Unidos, o Qatar perguntou-se: ‘Quem pode impedi-los de um tal ataque [contra nós]?’ Não é o seu exército, nem os seus petroleiros, nem a sua tecnologia. É a opinião pública ocidental“, analisa o especialista em geopolítica Marc Lavergne, director de pesquisa do Centro Francês de Investigação Científica e da Universidade de Tours, em declarações à AFP.

Assim, “o Qatar desenvolveu todo um conjunto de pilares que podem ser vinculados ao “soft power”, como a arte e uma política desportiva global em que o PSG é uma ferramenta de sedução mundial”, analisa Lavergne.

“É a construção de uma imagem suave, exótica, idealizada“, acrescenta, frisando que essa “estratégia” também se pode aplicar ao Mundial, mas vai para lá dele com o emblema gaulês.

Trata-se, em certa medida, de colocar o pequeno país no mapa da geopolítica mundial.

“Há cerca de 15 anos, o Qatar não existia na opinião pública”, repara Lavergne, salientando que “o PSG é fundamental para esta política”. “Com o clube, eles alcançam o mundo inteiro“, sobretudo porque têm na equipa o grande craque Messi.

“O PSG está nas mãos do Emir”

A manutenção de Kylian Mbappé no PSG, no Verão passado, apesar de, alegadamente, ter surgido uma oferta milionária do Real Madrid, foi vista como uma “loucura financeira”, mas entra nesta mesma estratégia.

O próprio Macron também telefonou a Mbappé para o convencer a ficar no PSG.

Portanto, trata-se mais do que futebol apenas, até porque há muitos milhões envolvidos – e quanto ao PSG, ninguém questiona que esses milhões venham do mesmo país que é contestado devido aos direitos humanos, das mulheres e da comunidade LGBTGI+.

De resto, os laços com França vão para lá do futebol. “O Qatar é um aliado estratégico de França e tem sido assim há anos”, nota Lavergne.

Portanto, o PSG é só mais um elemento da equação, mas tudo o que afecta o clube é “extremamente sensível, está nas mãos do Emir“, defende o investigador Raphael Le Magoariec, especializado em geopolítica dos países do Golfo, também em declarações à AFP citadas pelo The Score.

Milhões gastos são como investir em Defesa

É preciso comparar estes investimentos no futebol aos de “um ministério da defesa”, entende mesmo Le Magoariec.

“O PSG constitui um grande investimento para o país. Para alguns, é a melhor montra para o Emirado“, sustenta ainda a investigadora Carole Gomez, especializada em desporto e em geopolítica, também em declarações à AFP.

E é, evidentemente, um investimento que tem interesses “geopolíticos e económicos”, acrescenta.

Trata-se de “afirmar a sua individualidade diante dos seus vizinhos, nomeadamente a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos, mas também de diversificar os seus investimentos económicos para pensar na era pós-gás“, considera Gomez.

Presidente do PSG envolvido em vários escândalos

A importância estratégica do PSG para o Qatar pode ser aferida pelo facto de o presidente do clube ser uma espécie de “ministro sem pasta” desde 2013.

Al-Khelaifi, formado em Economia e antigo tenista profissional, tem boas conexões políticas e também é o presidente do beIN Media Group que detém a transmissão dos jogos da Liga dos Campeões.

Em 2019, Al-Khelaifi chegou a ser acusado de corrupção no âmbito da obtenção dos direitos de transmissão dos Mundiais de 2026 e 2030 pelo canal de desporto do beIN Media Group.

Mas em Junho de 2022, acabou por ser absolvido por um tribunal suíço, juntamente com o ex-secretário-geral da FIFA, o francês Jérôme Valcke.

A teoria da acusação era que Valcke apoiou a atribuição dos direitos televisivos ao canal de Al-Khelaifi em troca de uma mansão na Sardenha, Itália.

Já em Setembro passado, uma investigação divulgada pelo jornal francês Libération denunciou que Al-Khelaifi esteve envolvido num esquema de chantagem, abuso e extorsão.

A vítima terá sido um empresário franco-argelino que, alegadamente, teria informações comprometedoras sobre o presidente do PSG que poderiam implicá-lo no escândalo de atribuição do Mundial 2022 ao Qatar.

Este empresário terá estado detido no Qatar durante quase um ano e só terá sido libertado depois de entregar todos os dados que teria sobre Al-Khelaifi, conforme revelou ao Libération, realçando que a sua detenção tinha ocorrido por “ordem do Emir” do país.

O Qatar foi o primeiro país árabe a ganhar a organização de um Mundial de futebol, mas a atribuição, em 2010, envolve suspeitas em torno do pagamento de 3,7 milhões de dólares em “luvas”. Mas bem, os subornos na atribuição de Mundiais são uma história antiga na FIFA!

 

[sc name=”assina” by=”Susana Valente, ZAP”]


Comentários

Um comentário a “Como o PSG de Messi é fundamental na estratégia de “soft power” do Qatar”

  1. Avatar de AS (Armando Santos)
    AS (Armando Santos)

    Dá gosto ler um artigo destes: inteligente, limpo das martelagens habituais em autores masculinos. Todos conhecemos – conhecer é diferente de saber – os fundamentos do radicalismo islâmico quanto à sexualidade, discutir isso é chover no molhado e a hipocrisia ocidental não discute essas questões quando se trata do petróleo a preços baixos. Como o artigo recorda, 15/20 anos atrás, quem sabia onde ficava o Catar? Quem ouvira falar? Quem se ralaria se o imperialismo americano fizesse a este pequeno território o que fez no Kuwait? Os cataris pensaram, inteligentemente, para quê gastar triliões em armamento e exercito inúteis perante os desígnios da super-prepotência americana? Investiram no reconhecimento pela sedução, pode ser um frágil guarda-chuva, mas é mais promissor que investir em exércitos de papel e e no enriquecimento do complexo armamentista americano. Inteligente porque investir na adjudicação do Mundial, nas comissões pagas para o conseguir, na edificação de estádios, no apoio ao PSG é incomparavelmente mais barato e mais limpo que investir em inútil armamento. “Escravatura” na construção de estádios? De certeza que existiu, sobra uma pergunta: qual as origens dos sub-empreiteiros esclavagistas? Cataris não são, de certeza. Fecharam os olhos? De certeza, queriam as prontas, mas ninguém, nem as inúteis ONGs demonstraram que o Catar não pagou o preço justo aos empreiteiros internacionais para realizarem os trabalhos sem “esclavagismo”. Concluindo: tenho muitas dúvidas e nenhuma certeza sobre este processo, seguro é que não como comida mastigada, odeio hamburguers ou carne picada. E esparregado, só quando quente, frio dá-me náuseas.

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