Portugal deu a maior alegria ao “Mourinho árabe” que comanda os filhos de Marrocos

Seleccionador de Marrocos, Walid Regragui
O seleccionador de Marrocos, Walid Regragui, celebra passagem aos “oitavos” do Mundial 2022.

O treinador Walid Regragui está há apenas três meses no comando da Selecção de Marrocos, mas transfigurou a equipa e comandou-a, de forma inédita, até aos quartos-de-final do Mundial 2022, onde vai defrontar Portugal. Mas, afinal, qual é o segredo da equipa sensação deste Campeonato do Qatar?

Os marroquinos eliminaram a favorita Espanha nos oitavos-de-final do Mundial 2022, depois de terem derrotado a Bélgica (2-0) na fase de grupos. Um êxito que surpreende e que muito se deve ao “dedo” de Walid Regragui, o sucessor de Vahid Halilhodzic que conseguiu a qualificação de Marrocos para o Mundial 2022.

Halilhodzic foi despedido em Agosto, depois de ter deixado um mau ambiente no seio da Selecção.

Quando chegou ao cargo de seleccionador, a missão de Walid Regragui foi recuperar a harmonia e a união no balneário. Assim, a primeira coisa que fez foi telefonar a Hakim Ziyech, jogador do Chelsea, que tinha abandonado a Selecção em desacordo com Halihodzic.

Foi uma jogada certeira, pois Ziyech marcou o primeiro golo de Marrocos neste Mundial, diante do Canadá (2-1).

“Não somos uma equipa, somos uma família”, diz Achraf Hakimi, defesa do Paris Saint-Germain, ilustrando o espírito de união no balneário.

“Vamos com ele até à morte”, acrescenta o guarda-redes Munir Mohamedi do Al-Wehda, da Arábia Saudita.

Um dos grandes segredos da equipa está neste espírito de comunhão entre seleccionador e jogadores.

Vitória sobre Portugal em 1986 foi “o dia mais feliz”

Entre os 26 convocados de Marrocos para este Mundial, 14 nasceram fora de Marrocos – é o país de todos os qualificados para o Mundial do Qatar que tem o maior número de atletas nascidos fora do território do país que representam.

O próprio Walid Regragui nasceu em França, para onde os pais imigraram há mais de 50 anos. E foi na Europa que teve uma carreira como futebolista, passando por clubes como Racing Santander, Toulouse e Dijon. Apesar disso, sempre se identificou mais com a cultura marroquina.

Em 1986, durante o Mundial desse ano, enquanto vivia nos subúrbios de uma cidade francesa, o treinador viveu “o dia mais feliz” da sua vida, como confessou antes do jogo dos “oitavos” contra Espanha, quando Marrocos derrotou Portugal, conseguindo passar à fase de grupos de forma histórica e eliminando a equipa das quinas.

Na sua carreira de treinador, tem passagens pelas camadas jovens de Marrocos, pelos clubes marroquinos FUS Rabat e Wydad Casablanca, e pelo Al-Duhail do Qatar.

Em 2016, foi eleito o melhor treinador de Marrocos quando treinava o FUS Rabat, e venceu a Liga dos Campeões da Confederação Africana de Futebol (CAF), bem como o campeonato de Marrocos, com o Casablanca.

Neste ano, tornou-se no primeiro treinador africano a liderar uma Selecção até aos “oitavos” de um Mundial.

Uma Selecção de filhos de imigrantes

As principais figuras da equipa marroquina neste Mundial – o guarda-redes Bono (Sevilha, Espanha), o defesa Hakimi, e os médios Ziyech e Amrabat (Fiorentina, Itália) – nasceram todas fora de Marrocos.

Amrabat, que tem sido descrito por alguns como o melhor médio deste Mundial, e Ziyech nasceram na Holanda, tal como o defesa Mazraoui (Bayern de Munique, Alemanha) e o extremo Zakaria Aboukhlal (Toulouse, França).

Hakimi nasceu em Espanha, tal como o guarda-redes Munir. Já Bono, ou Yassine Bounou de seu nome oficial, nasceu no Canadá.

Os médios Bilal el-Khannouss (KRC Genk, Bélgica), Ilias Chair (Queens Park Rangers, Inglaterra) e Selim Amallah (Standard de Liège, Bélgica), e o extremo Anass Zaroury (Burnley, Inglaterra) nasceram na Bélgica.

O defesa Romain Saïss (Besiktas, Turquia) e o extremo Sofiane Boufal (Angers, França) nasceram em França, enquanto o avançado Walid Cheddira (Bari, Itália) nasceu em Itália.

“Mistura” cultural e amor à camisola

Esta Selecção com toque “europeu” levantou algumas críticas em Marrocos, como o próprio seleccionador que fala árabe, francês, inglês e espanhol reconheceu.

“Antes deste Mundial tivemos muitos problemas quanto aos jogadores nascidos na Europa e aos que não nasceram em Marrocos”, apontou.

Mas com os resultados da Selecção “mostramos que cada marroquino é marroquino“, frisou também. “Quando vêm à equipa nacional, querem morrer, querem lutar. Como o treinador, eu nasci em França, e ninguém pode ter o meu coração pelo meu país”, acrescentou ainda.

“Sempre que vêm à equipa nacional, dão 100 por cento“, concluiu no que é outro dos grandes trunfos desta Selecção – ou seja, o amor à camisola

Além disso, a equipa tem “uma mistura” das várias “culturas de futebol” dos países onde os atletas nasceram, o que é outra mais-valia, como destacou Walid Regragui.

Mas, no fim de contas, o sucesso “não tem nada a ver com passaportes”, mas com “competência – és capaz ou não”, realçou ainda o treinador.

A força da família

Outro factor que pode estar a impulsionar esta equipa de Marrocos a transceder-se é a presença da família por perto. A Federação de Futebol de Marrocos pagou viagens até ao Qatar a todos os familiares escolhidos pelos jogadores da Selecção, por recomendação do seleccionador.

A própria mãe do treinador, Fatima, também tem assistido aos jogos do filho. “Durante toda a sua carreira como jogador e treinador, nunca viajei para o ver. Vivo em França há mais de 50 anos e esta é a primeira competição pela qual deixei Paris“, disse Fatima em declarações à Aljazeera.

A estratégia do seleccionador passa por “criar energia positiva” em torno dos atletas, para “obter vantagens intangíveis que se traduzam no relvado”, como aponta o canal de televisão árabe.

“O nosso sucesso não é possível sem a alegria dos nossos pais”, apontou Walid Regragui no momento em que assumiu as rédeas da Selecção, como recorda a Aljazeera.

Entre as imagens marcantes deste Mundial, está uma em que Hakimi recebe um beijo da mãe depois da vitória de Marrocos sobre a Bélgica. O jogador do PSG acabou a publicar esse momento nas suas redes sociais, a par do “Amo-te mãe”.

 

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Marrocos conta ainda com o apoio local de muitos marroquinos que vivem e trabalham no Qatar – serão cerca de 15 mil. Mas há muitos outros que vivem em várias partes do mundo que viajaram para o país para apoiar a Selecção, fazendo-a sentir-se em casa.

Será esse ambiente hostil que Portugal deverá encontrar neste sábado, a partir das 15 horas, quando defrontar Marrocos nos quartos-de-final do Mundial 2022. Até porque a Selecção de Walid Regragui também tem o apoio de “qataris, talvez argelinos, tunisinos, árabes e africanos”, todos juntos a torcerem para que “faça história”, como acredita o seleccionador marroquino.

[sc name=”assina” by=”Susana Valente, ZAP”]


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