Freddy Adu era apontado como uma das maiores promessas do futebol mundial. Há quem o acuse de ser um produto de marketing do soccer.
“O novo Pelé”. A partir do momento em que um futebolista é cunhado desta forma e comparado a um dos maiores jogadores de sempre, a sua carreira dá uma volta de 180 graus. É um peso que nem todos conseguem carregar e muitos acabam mesmo por nunca chegar perto das expectativas.
É esse o caso de Freddy Adu, um nome que é conhecido por quase todos os adeptos de futebol, embora não tenha concretizado quase nada neste desporto. Foi, é e sempre será uma eterna promessa. Reza a lenda que o seu talento ainda pode desabrochar, livrando-se de tudo aquilo que o arrastou durante todos este tempo — seja isso o que for.
Em 2003, a Major League Soccer (MLS), com a concorrência de alguns dos principais clubes do mundo, assinou um contrato de seis anos com o jovem em ascensão. Com a tenra idade de 14 anos, assinou pelo DC United, a equipa da capital norte-americana.
A jovem promessa foi a primeira escolha do DC United no MLS SuperDraft de 2004, à frente de jogadores como Clint Dempsey e Michael Bradley, que foram escolhidos em 8.º e 36.º lugares, respetivamente.
O acontecimento já atraíra a atenção dos media. “Adu, que completa 15 anos em junho, será o jogador mais jovem nos oito anos de história da MLS, bem como o mais bem pago”, escrevia, à data, o New York Times. O seu salário era de 500 mil dólares por mês.
“Esta é a maior contratação da história da liga”, disse o comissário Don Garber. “Freddy é um dos melhores jovens jogadores do mundo e a sua decisão de jogar no seu país e na sua liga motivará outros jovens a procurar a MLS”.
Adu não era nenhum desconhecido. Antes, já tinha assinado um contrato de patrocínio com a Nike, no valor de 1 milhão de dólares, segundo a CNN. Ainda longe da maioridade, já tinha um património de sete dígitos. Adu era o equivalente futebolístico da tenista Anna Kournikova — celebridade primeiro, atleta depois.
Adu ficou mundialmente famoso após ter aparecido num anúncio televisivo com Pelé. Era um encontro entre uma lenda do futebol e aquele que tanto prometiam que ia suceder-lhe.
Após o seu forte desempenho no Campeonato do Mundo de sub-17, Adu atraiu o interesse de alguns dos principais clubes europeus, incluindo Manchester United, Chelsea e PSV.
O comissário da MLS saudou Adu por escolher jogar nos Estados Unidos, mas a decisão do jovem talento poderá ter sido condicionada por outro fator. Segundo as regras da FIFA à data, jogadores fora da União Europeia não podiam jogar nas equipas principais dos clubes até completarem 18 anos.
Adu chegou do Gana aos EUA graças à chamada lotaria do green card, uma lotaria que qualquer pessoa podia participar para receber um cartão de residência permanente no país.
O garoto foi criado em condições de laboratório. Morava, estudava e treinava na IMG Academy, na Flórida, um centro de formação desenhado pela Federação de Futebol dos Estados Unidos.
“Adu foi colocado num pedestal”
A fama excessiva influenciou o profissionalismo de Adu, de certa forma. O ex-internacional norte-americano Jimmy Conrad relembra um episódio que comprova isso mesmo, ocorrido durante a preparação para o Mundial 2006.
“Eu estava tão irritado com ele. Lembro-me de pensar: Basta marcar, caralho, e poderás ir ao maior torneio do mundo. Vais lembrar-te dele para sempre”, disse Conrad ao jornalista Noah Davis, do Grantland.
Freddy Adu ainda era jovem e inexperiente, mas com trabalho poderia até ser convocado para o Mundial. No entanto, isso não parecia fazer parte dos seus planos.
“Ele era alguém que se achava o maior, mas não se esforçou. Felizmente, foi deixado de lado porque isso seria desrespeitoso para aqueles que estavam a trabalhar no duro”, acrescentou o ex-futebolista.
Quem também não tem uma opinião muito positiva de Adu é o ex-futebolista Alejandro Moreno, que também jogou na MLS na mesma altura.
“Da perspetiva de jogador, que já estava na liga há algum tempo, foi muito oco, sem substância”, disse o venezuelano, questionado sobre as memórias que tinha do então fenómeno da liga.
“Ainda não tínhamos visto o que ele conseguia fazer a um nível profissional […] e toda a gente dos escritórios da MLS e da Federação, que estavam desesperadamente a tentar encontrar algo para que as pessoas ficassem empolgadas com a liga, estavam a colocar Freddy Adu num pedestal”, disse ainda Moreno, em declarações à ESPN TV.
“Nós todos, como jogadores, estávamos a pensar: ‘Espera lá, tu não chegas àquele nível sem passar pelos níveis abaixo’”, disse ainda o ex-jogador. Ainda assim, Moreno deixou rasgados elogios ao talento de Adu. “O problema é que não havia consistência”, realçou.
Dúvidas sobre a sua idade
Consistente ou não, antes mesmo de assinar pelo DC United, Adu e a sua família já tinham recusado uma proposta do Inter, depois de o atleta brilhar num torneio juvenil realizado em Itália, quando tinha apenas 12 anos.
“Nunca fizemos isto antes. Freddy é o primeiro jogador americano de futebol que já vimos com potencial como profissional no futebol europeu”, disse Piero Ausilio, encarregado pelas camadas jovens do Inter, em declarações ao Washington Post. “Simplesmente, ele é um grande e talentoso jogador, com ótimas ferramentas físicas e uma técnica maravilhosa”.
A sua mãe mostrou-se reticente em deixar Adu sair de Washington DC. “Recebo chamadas de pessoas de Inglaterra e de Itália, e de pessoas do meu país natal, que disseram que cuidariam de Freddy”, disse Emelia ao USA Today. “Ele é muito jovem. Quero que ele estude”.
Desde cedo, Adu lidou com acusações de ser mais velho do que aquilo que os seus documentos sugeriam. No entanto, as acusações foram sempre infundadas e seria de pensar que, se realmente a mãe tivesse adulterado a sua idade para proveito desportivo e financeiro, teria aceitado a proposta do Inter.
“Um homem cego num cavalo galopante consegue ver o talento”
Foram estas as palavras do então treinador do DC United, Ray Hudson, ao ver o jogador, de acordo com o Washington Times. “Ele é um pequeno ovo fabergé e todos estão a tentar protegê-lo”. Alguns tentaram protegê-lo mais do que o próprio Adu gostaria.
Aos 16 anos, foi castigado e falhou a partida de abertura dos playoffs da MLS, por conta de uma birra. “Dizem que é o melhor jogador desde Pelé, mas não consegue entender porque é que não é titular em todos os jogos“, escrevia o jornalista do Washington Times.
O treinador Peter Nowak foi até confrontado por um jornalista, que pediu a sua demissão por não pôr Adu a jogar a titular no seu primeiro jogo, com apenas 14 anos, na época anterior.
“Adu é um jogador multitalentoso, mas não se encaixa facilmente. Ele é um pouco único. E embora essa singularidade possa um dia torná-lo uma estrela, de momento, é um jogador que Nowak sente que não pode simplesmente encaixar numa das cobiçadas posições iniciais do United”, escreveu ainda o jornal norte-americano.
Ele não era o típico avançado e não era o típico centro-campista. A melhor posição para ele seria talvez a de médio-ofensivo, que era ocupada pelo veterano argentino Christian Gomez, que estava em grande forma.
“Adu é um bom jogador. Um dia ele pode ser um grande jogador, mas ainda não chegou lá. Ele tem momentos de brilhantismo, que parecem confirmar tudo o que foi dito sobre ele, mas também pode desaparecer de um jogo e parecer perdido”, lê-se ainda na mesma publicação.
A transferência para o Benfica e o maior erro da carreira
Na segunda temporada na MLS começou a expressar publicamente a sua frustração com a falta de partidas a titular, sugerindo que isso lhe custou um lugar na seleção dos Estados Unidos no Mundial de 2006, na Alemanha.
Adu acabou trocado para o Real Salt Lake, após quezílias com Nowak.
Em 2006, aos 16 anos, Adu treinou com o Manchester United num teste de duas semanas. O objetivo era que Sir Alex Ferguson avaliasse o jogador para decidir se o contrataria quando completasse 18 anos.
“Freddy fez tudo certo”, disse o lendário técnico escocês. “É um menino talentoso. Ele vai voltar para os Estados Unidos e vamos ficar de olho nele. Quando ele tiver 18 anos, teremos que avaliar o que podemos fazer a seguir”.
Uma prestação impressionante no Mundial de sub-20 levou a uma transferência de 1,5 milhões de euros para o Benfica, após apenas sete meses em Salt Lake.
No Benfica, Adu passou um bocado ao lado, jogando apenas 17 partidas numa temporada, antes de ser emprestado quatro vezes. Foi cedido a Mónaco, Belenenses, Aris Salonica e Caykur Rizespor. Por fim, regressou aos Estados Unidos, numa transferência para o Philadelphia Union.
Recentemente, no podcast “American Prodigy: Becoming Great”, o ex-internacional norte-americano admitiu que a pior decisão que fez na sua carreira foi sair do Benfica.
“O maior erro que cometi na minha carreira foi deixar o Benfica no empréstimo ao Mónaco”, confessou Adu. “Digo de coração. Foi uma daquelas decisões que, se pudesse tomar de novo, não o faria”.
“Tive três treinadores num ano no Benfica. O clube estava num momento tão disfuncional que só queria sair dali e ir para o outro lado o mais rápido possível”, disse o futebolista, referindo-se a Fernando Santos, José Antonio Camacho e Fernando Chalana.
“Mas acabou por ser a pior decisão. Entrei no clube ao mesmo tempo que Di María. No primeiro ano, fui melhor que ele”, argumentou confiantemente. “Joguei melhor que ele, mas decidi ir para o Mónaco por empréstimo. E o Di María ficou no Benfica”.
“Tomei a pior decisão possível para a minha carreira. É o meu maior arrependimento”, atirou Freddy Adu.
Afinal, de quem é a culpa?
Voltando à entrevista de Alejandro Moreno, o ex-futebolista descreve aquilo que é o seu entendimento do que levou à carreira aquém das expectativas de Freddy Adu.
“É uma responsabilidade que podemos todos partilhar, incluindo a MLS, a US Soccer e todos aqueles envolvidos em pressionar Freddy Adu. É também a responsabilidade do jogador, que foi na onda da fama e esqueceu-se de cultivar o seu talento. Quando não fazes isso, […] acabas por te tornar naquilo que ele se tornou”.
Há mais de quatro anos sem jogar, e com 33 anos de idade, o futuro parece cinzento para o jogador. Ainda assim, em outubro do ano passado, o jogador sublinhou que ainda não está preparado para desistir. “Tecnicamente, ainda não me reformei”, disse Adu, em dezembro, em entrevista à SPORTbible.
“Eu agora cuido da minha família”, salientou Adu. “Muitas pessoas não sabem disso, mas a minha mãe fez uma cirurgia este ano e foi muito significativa. Eu tenho cuidado da minha mãe”.
O norte-americano recordou ainda a sua ascensão meteórica: “Ser o jogador mais bem pago da liga aos 14 anos e ter aquele contrato com a Nike traz muita responsabilidade”.
“Eu não pensava nisso na altura, mas agora, quando penso… Consegues imaginar um miúdo de 14 anos a chegar, a ter que fazer tudo isso? Foi difícil. Não ajudou. Foi só muita distração. Fazer essas coisas colocou uma pressão extra sobre mim para atuar imediatamente”, revelou o jogador, que tinha muitas vezes de viajar antes do resto da equipa para fazer entrevistas e afins.
A pressão da ribalta
As palavras de Adu são relativas a acontecimentos com quase duas décadas. No entanto, a sua situação continua bastante atual nos dias de hoje. Aliás, não será um sacrilégio dizer que está pior. As redes sociais desempenham um vil papel em tudo isto, contribuindo para a crescente pressão que os jovens jogadores enfrentam.
Bojan Krkic tem agora 32 anos, mas foi outrora considera o novo Leo Messi. O avançado formado na cantera do Barcelona marcou 900 golos nas camadas jovens do clube catalão. Com apenas 17 anos, já saltava para a equipa principal do Barcelona, recheada de estrelas.
Tal como Adu, Bojan Krkic nunca cumpriu o potencial que lhe reservavam. Apesar das primeiras temporadas em Camp Nou tenham sido positivas, entrou numa espiral descendente.
Transferiu-se para a Roma e esteve emprestado ao Milan e ao Ajax, antes de chegar ao Stoke City. Voltou a não conseguir afirmar-se e foi cedido ao Mainz e ao Alavés. Em 2019 rumou à MLS e, mais tarde, seguiu para o Japão.
No final de dezembro, o jogador rescindiu com o Vissel Kobe, de Andrés Iniesta. Está atualmente sem clube.
Em 2018, numa entrevista ao jornal The Guardian, Bojan falou sobre a pressão que sofreu. “Tive ataques de ansiedade, mas ninguém quer falar sobre isso. O futebol não está interessado”, disse o sérvio que se naturalizou espanhol e ainda representou uma vez a La Roja.
Freddy Adu e Bojan Krkic são apenas dois nomes que muito provavelmente foram vítimas da pressão colocada por adeptos, rivais, treinadores, clubes, jornais e redes sociais. Muito provavelmente, também, não serão os últimos. Para isso, é importante que toda a estrutura de futebol mude a sua mentalidade e deixe jovens como Adu e Krkic florescerem de forma mais natural.
[sc name=”assina” by=”Daniel Costa, ZAP” ][/sc]
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