Orçamento aprovado à tangente. Quem lesou o Benfica pagará por isso (nem que seja Rui Costa)

Rui Costa discursa durante Assembleia Geral do Benfica

Os sócios do Benfica aprovaram o orçamento ordinário de exploração e investimentos e o plano de atividades para o exercício 2024/25, em assembleia-geral no Estádio da Luz, que durou sete horas e meia. Discurso de Rui Costa interrompido por assobios, apupos e pedidos de demissão.

A assembleia de sócios do Benfica, a segunda realizada neste sábado, aprovou o  orçamento ordinário de exploração e investimentos e o plano de atividades para  2024/25.

A reunião magna teve que ser movida do Pavilhão N.º2 do complexo para o Estádio da Luz, devido à grande afluência de sócios que quiseram marcar presença.

O orçamento em análise recebeu 47,61% votos a favor, 43,20% contra e 9,19% abstenções, num universo de 1.992 votantes na assembleia-geral, iniciada às 16:00 e terminada às 23:30.

O resultado apertado da votação demonstra a contestação que vive a atual direção do Benfica, presidida por Rui Costa, como foi visível durante todo o dia no complexo encarnado, que também recebeu outra assembleia-geral durante a manhã.

Foram 79 os sócios que tomaram a palavra na assembleia-geral vespertina, com várias críticas e oposições à administração das águias, em temas que marcam a atualidade do Benfica, desde a época desportiva aos casos judiciais e à recente auditoria forense.

O presidente do clube lisboeta discursou aos associados no início da assembleia-geral vespertina, recebendo assobios e gritos a pedir a demissão, tendo utilizado novamente a palavra mais tarde, de forma a responder às muitas perguntas dos sócios do Benfica.

No discurso inaugural, Rui Costa afirmou que “não há nenhuma crise de liderança” no clube, que quer que seja “cada vez mais vitorioso”, rejeitando ainda que os sócios coloquem em causa a seriedade e o caráter dos membros que compõem a sua direção.

Não há vazios ou ausência de decisão. Assumimos as nossas responsabilidades e temos um projeto para o futuro deste clube. Não viro às costas, nem fujo às minhas obrigações. Eu respondo por mim e pela minha equipa, mesmo por aqueles que decidiram sair”, salientou.

“Nós vamos voltar a vencer no futebol e continuar a vencer nas modalidades. O Benfica vai permanecer como o clube mais vencedor em Portugal, como tem sido nas duas últimas épocas”, acrescentou Rui Costa.

Rui Costa frisou a vertente desportiva, no qual as ‘águias’ conquistaram, na última temporada, oito em 12 campeonatos, no futebol e modalidades de pavilhão, com seis em 12 nesta época, na qual ainda estão na luta para vencerem no hóquei em patins, masculino e feminino.

“Mais uma vez, o dobro dos nossos adversários em conjunto e, afinal, parece que, no Benfica, tudo está mal e tudo precisamos de mudar. Exigência e ambição, sim. Mas não nos podemos autodestruir. Temos também de saber valorizar o que ganhámos. Já chegam todos os que nos querem abater pela grandeza e por ser quem somos”, disse.

Fora do Estádio da Luz eram audíveis vários assobios e pedidos de demissão à direção dos ‘encarnados’ durante o discurso de Rui Costa, que foi tocando em vários pontos da atualidade do clube, com agradecimentos à enorme participação.

“Podemos discutir política desportiva, criticar e debater a estratégia do clube e a minha liderança, mas não posso admitir que coloquem em causa o caráter e a seriedade de quem aqui está”, atirou o ex-futebolista, que alegou ter feito questão de que os sócios discutissem os estatutos e acedessem à auditoria antes desta reunião magna, “num sentido democrático e com a transparência que o Benfica exige”.

Em relação ao orçamento hoje discutido na assembleia-geral, Rui Costa considerou-o “ambicioso” e a privilegiar a vertente desportiva, embora de uma maneira equilibrada.

É um orçamento ambicioso, que mais uma vez privilegia a vertente desportiva e que pretende apetrechar as nossas equipas das melhores condições para ganharem. Ainda assim, este trata-se de um orçamento equilibrado e responsável, que reforça a robusta situação económica e financeira que nós soubemos construir”.

Rui Costa reforçou ainda que “o Benfica não aceita receber menos do que atualmente e não sairá prejudicado com a centralização dos direitos televisivos”, adiantando que o clube tem procurado “informar os sócios de tudo”, em matéria de transparência e boas práticas.

Na sua terceira intervenção durante a AG, Rui Costa realçou que nos três anos do seu mandato não ocorreu nenhuma busca judicial. “Cheguei a ouvir aqui que continuamos com buscas, mas em três anos de mandato não houve nenhuma busca. Estes processos todos não têm a ver com esta direção“.

A pedido de alguns sócios, foi lida a ata de uma assembleia-geral em 2019, durante a qual alegadamente o então, Luís Filipe Vieira, agrediu um sócio.

O documento aprovado este sábado faz referência à agressão, tendo muitos dos sócios presentes pedido a expulsão do antigo presidente. “Quando é que será aberto o procedimento para expulsão de sócio de Luís Filipe Vieira?“, questionou um dos sócios.

Noronha Lopes aplaudido

Um dos discursos mais aplaudidos da Assembleia foi o de Noronha Lopes, antigo candidato à presidência do clube, que pediu mais transparência e questionou como é que os atuais membros da Direção não estranharam as situações “no mínimo, duvidosas ou suspeitas” que a anterior direção protagonizou.

Entre gritos de “Noronha a presidente!” que se faziam ouvir entre os sócios, o antigo candidato lançou críticas ao timing de apresentação da auditoria forense às contas da anterior direção.

“Apresentar um relatório de auditoria forense com 200 páginas a 24 horas da AG que não visava discutir esta auditoria não é profissional, nem unificador. E as conclusões desta auditoria devem suscitar a nossa preocupação”, disse.

“Já aqui foi dito: dezenas de contratações sem validação do departamento de scouting, muitas comissões pagas acima do valor de mercado e inúmeros contratos com desconhecimento dos beneficiários finais do mesmo”, notou Noronha Lopes.

“Perante tantas situações que, no mínimo, são duvidosas ou suspeitas, o que fizeram os atuais membros da Direção que integraram os anteriores órgãos sociais? Não estranharam? Não perguntaram? Como reagiram? E o que sugeriram?”, questionou Noronha Lopes.

“Como é que é possível que dezenas de jogadores tenham entrado no Benfica sem que nada nos seus desempenhos justificasse e sair sem deixar qualquer rasto desportivo?”, acrescentou o antigo candidato, derrotado por Luís Filipe Vieira.

“Portanto, meus amigos, as conclusões da auditoria não podem ser o fim da história. Exigem-se mais explicações e também se espera que, face à gravidade dos factos conhecidos, futuras auditorias não se limitem a incidir sobre investigações em curso pelo Ministério Público”, salientou.

“Senhor Presidente, a união não se proclama, a união constrói-se”, disse Noronha Lopes, entre os muitos aplausos dos sócios presentes. ” O Benfica estará mais unido quando existir transparência, frontalidade, padrões éticos e morais inatacáveis”.

Noronha Lopes pediu ainda a Rui Costa um projeto desportivo credível. “Um projeto organizacional transformador. Uma equipa que lance o Benfica para novo ciclo de crescimento. Uma liderança exemplar, que se notabilize pela ação e não pela omissão. Enfim, uma cultura fiel aos nossos pergaminhos”, concluiu.

Quem lesou o Benfica, pagará por isso

O presidente encarnado garantiu que quem quer que seja que tenha lesado o Benfica “pagará por isso” — incluindo o próprio. “A contar comigo, quem lesou o Benfica pagará por isso“.

“Quem não deve não teme e por isso pus a auditoria cá fora“, acrescentou o presidente do clube encarnado.

A auditoria forense pedida pelo Benfica na sequência de investigação do Ministério Público, denominada de Cartão Vermelho, não encontrou “nenhuma situação ou particularidade em que a SAD tenha sido diretamente lesada por qualquer um dos seus representantes”.

Realizada pela EY entre 1 de setembro de 2021 e 13 de outubro de 2023, a auditoria foi divulgada no site oficial do clube lisboeta e, apesar de apontar “um conjunto de oportunidades de melhoria de procedimentos e/ou de controlos internos”, não detetou nenhuma situação em que a sociedade tivesse sido lesada.

A auditoria foi pedida pela Administração da SAD com base nas suspeitas do Ministério Público, que incidem no processo de contratação de vários futebolistas durante a presidência de Luís Filipe Vieira, tendo já sido enviada uma cópia às autoridades judiciais.

A Operação Cartão Vermelho investiga suspeitas de prática de crimes de burla qualificada, abuso de confiança agravado, falsificação de documentos, branqueamento de capitais e fraude fiscal qualificada, num possível esquema relacionado com a compra e venda de jogadores que levou à detenção de Luís Filipe Vieira.

Com base nos resultados contabilísticos respeitantes às transações dos atletas analisados, num período aproximado a 14 anos, a consultora concluiu ter havido um “saldo positivo a favor da Benfica SAD, em 97.026.018 euros (108.883.162 em transações com resultados positivos e 11.857.144 em transações com resultados negativos).

A análise centrou-se na conformidade dos dossiers dos 51 futebolistas que foram alvo do estudo – tendo concluído que “as poucas situações de inconformidade contratual, contabilística, neste horizonte temporal, não são materialmente relevantes” -, análise dos valores dos passes e comissões, partes envolvidas nas transações e apuramento dos factos.

Relativamente às comissões, a EY apurou que em 71% dos casos foram superiores a 3% da remuneração bruta e em 44% foram superiores a 10%, valores que excedem as ‘guidelines’ da FIFA, mas “não indicam, necessariamente, uma prática inadequada”.

Em 15 situações, a consultora não conseguiu identificar a estrutura acionista completa, nem os últimos beneficiários, de entidades que negociaram jogadores com o Benfica.

A auditoria apurou ainda que, 10 situações, os negócios foram efetuados com entidades sediadas em paraísos fiscais e que, em igual número, o intermediário apresenta um conflito de interesses com o próprio jogador.

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