Organizar o Campeonato do Mundo compensa? Muito raramente

Entre lucros e prejuízos de organizar o Campeonato do Mundo, a balança tende a inclinar-se para o lado negativo. Ainda assim, a disputa para receber a competição é sempre intensa.

O Campeonato do Mundo de 2022 está aí à porta. Esta edição tem dado que falar, desde a escolha do Qatar como organizador, passando pelo facto de se disputar em dezembro e ainda devido às polémicas com a construção das infraestruturas com recurso a mão-de-obra escrava — levando à morte de milhares de migrantes.

As previsões é que o Qatar gaste 220 mil milhões de dólares no projeto Visão Nacional 2030, que entre outras coisas, inclui a organização da competição.

Embora o montante não seja todo direcionado para a organização do Mundial, representa certamente uma grande fatia. É sensivelmente 60 vezes mais do que aquilo que a África do Sul gastou na organização da competição, em 2010.

O canal de YouTube Tifo Football analisou quanto dinheiro é que um país ganha ao organizar o Campeonato do Mundo. Para obter a resposta é necessário avaliar duas vertentes: as receitas e as despesas.

Hospitalidade, alojamento e direitos da venda de bilhetes são algumas das principais fontes de rendimento. No entanto, as receitas conseguidas com os bilhetes não são partilhadas com o país organizador. O montante segue inteiramente para a FIFA.

Por sua vez, o dinheiro conseguido com o alojamento dos adeptos é facilmente suplantado pelos custos para construir as infraestruturas de hospitalidade necessárias.

Os direitos da transmissão televisiva dos jogos também são possuídos inteiramente pela FIFA. Aliás, mais de metade (55%) dos 4,6 mil milhões de dólares em receitas da FIFA, em 2018, vieram precisamente da venda destes direitos.

Os direitos de publicidade, marketing e licenciamento — que representaram 35% das receitas da FIFA no mesmo ano — também não são partilhados com o país organizador.

Assim, a principal vantagem para os países que recebem a competição é o crescimento do turismo e consequente impulso da economia local.

A realidade é que, poucos meses depois da realização do Campeonato do Mundo, as estatísticas mostram que o turismo regressa a valores pré-Mundial. No extremo, há até casos de “turismo negativo”, em que um país recebe menos turistas devido à competição.

Isto acontece porque turistas não interessados em futebol tendem a evitar visitar o país na altura da realização do Mundial, de forma a evitar a confusão e os preços mais altos. Foi aquilo que se verificou, por exemplo, em França, no Mundial de 1998. O país registou uma queda de 13% no turismo em comparação com o ano anterior.

A organização do Campeonato do Mundo tem também um impacto mais profundo na economia, criando empregos e melhorias de infraestruturas, por exemplo.

O caso da África do Sul é o caso mais notável recentemente. O país registou melhorias significativas na rede doméstica de transportes públicos e nas estradas. Como resultado foram criados vários empregos e a economia floresceu.

O mesmo aconteceu na Rússia. Um relatório determinou que a organização da competição em 2018 levou à criação de 315 mil empregos por ano.

FIFA não tem gastos

Obviamente, o lado negativo de organizar uma megacompetição de futebol são os custos que acarreta. Apesar de ficar com uma grande fatia das receitas geradas, a FIFA não tem qualquer gasto com a organização do torneio.

As nações têm de conceder à FIFA, aos seus parceiros e patrocinadores alívios fiscais consideráveis para que possam entrar no lote de favoritos a organizar o Mundial.

Este encargo muitas vezes recai sobre os contribuintes do país. No caso da Rússia, em 2018, 70% dos custos da competição foram pagos com impostos do povo russo.

A outra alternativa, por vezes, é o país organizador endividar-se. Em 2014, o Brasil acumulou uma dívida de 3,5 mil milhões de dólares.

Ocasionalmente, alguns dos gastos em infraestruturas acabam desperdiçados logo após o Mundial terminar. Em Portugal vimos isso com a realização do Euro 2004, que deixou praticamente ao abandono alguns estádios construídos para o efeito. O mesmo aconteceu no Brasil, após 2014.

A conclusão do Tifo Football é que, regra geral, não compensa organizar o Campeonato do Mundo. Na maioria dos casos, é um evento que envolve elevados custos, mas que dá um baixo retorno.

Então, porque é que tantos países lutam para poder receber o Mundial? Esta é uma pergunta que muitos ainda tentam encontrar resposta.

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Comentários

2 comentários a “Organizar o Campeonato do Mundo compensa? Muito raramente”

  1. Os países organizadores deveriam bater o pé e pedir uma fatia de lucros da toda poderosa fifia!

  2. E que tal os média denunciarem a sério, o problema do não cumprimento dos direitos humanos, especialmente para os trabalhadores estrangeiros que foram objeto de abuso e maus tratos durante toda a fase de construção dos estáduos e outras obras de infraestruturas, dos maus tratos e desigualdade intolerável com as mulheres e com outras minorias que não cabem no exíguo intelecto dos governantes e dos poderosos daquele país.

    Aí sim, seria serviço público e admirável. E faziam a diferença e estariam do lado das soluções e não dos que as protelam ou faxem viata grossa dos problemas que não deveriam poder ser ignorados e/ou tolerados.

    Dar apoio ao acontecimento deste mundial, nos termos em que tem vindo a ser feito na maior parte dos mídia, e diga-se, internacionalmente falando (e de praticamente todos os países), e da maior parte de outros quadrantes que têm funções, acesso e responsabilidades que permitem denunciar e não o fazem (como os governos dos países, federações de desportos e de futebol em particular, entre muitos outros), só mostra que a humanidade na sua mentalidade ainda tem um longo caminho a percorrer.

    Face ao que lá se passa e se passou, é uma vegonha completa, que a FIFA não tenha primeiro, condicionado à aprovação o aplicar de mudanças e cumprir com direitos humanos, depois ter fiscalizado e instado a que essas mudanças se estivessem a operar, e por terem sido cumpridas, simplesmente tivesse cancelado o evento nesse país de mentalidade de à séculos.

    Sinto-me enojado com essas atitudes de pessoas que ocupam altos cargos e usam-nos de forma indevida e de forma quantas vezes grátis, sejam cobardes ao não aplicarem o que dizem defender e que até está nos regulamentos dos organismos que tutelam e nas próprias leis dos países de onde proveêm ou das próprias organizações que tutelam. E depois, também todos os que polulam à volta, que mostram a mesma fraqueza e falta de carácter de honestidade intelectual e falta de solidariedade para como os que sofrem, apenas para eles terem alguns momentos de prazer (e neste caso, um reles mundial de futebol).

    Seja quem for o vencedor, pelo que está na base da sua preparação e construção e das vitimas que apesar das denúncias continuaram quase invisíveis e como se isso não estivesse a acontecer, e em pleno século 21, para mim, será um reles mundial.

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