Os futebolistas são, muitas vezes, vistos como “soldados num campo de batalha”, mas com uma diferença “vital”: não usam capacete. O defesa francês Raphaël Varane abre o jogo da consciência, apelando ao respeito pelo corpo dos jogadores.
Jogar com a cabeça ≠ Jogar de cabeça: Um jogador de futebol tem, obrigatoriamente, de usar a “cabeça” para jogar futebol, mas não precisa de jogar de cabeça.
Cabeceamentos… cabeçadas… quantas? Poucas, muitas… Quando um jogador entra em campo nunca sabe quando terá de jogar de cabeça, mas sabe que tem de estar predisposto para tal.
Esta terça-feira, o L’Équipe publicou uma entrevista a Raphaël Varane que revela ter o corpo destruído devido às concussões cerebrais.
O jogador do Manchester United e campeão mundial pela França em 2018 apela a mudanças no futebol, nomeadamente na forma como se encara e trata este tipo de “pancadas”.
Varane defendeu que os jogadores não devem ser sujeitos a tantos cabeceamentos e confrontos aéreos, recordando lances que lhe mudaram a carreira.
“Tive várias concussões. Se analisar três dos piores jogos da minha carreira, há pelo menos dois em que sofri uma alguns dias antes. Um deles foi contra a Alemanha no Mundial de 2014 [depois do jogo com a Nigéria]”, contou o defesa.
“No início da segunda parte do jogo contra a Nigéria, há um cruzamento onde levo com a bola na têmpora e acabo a corrida nas redes da baliza. Acabei esse jogo em modo ‘piloto automático’, não conseguia falar com ninguém. Nem me lembro do jogo. No avião não estava bem e disse-o“, disse citado pel’A Bola.
“Quando o jogo acabou senti uma tensão nos olhos. Olhando para trás, pergunto-me: se soubesse que era uma contusão, teria dito, arriscando não fazer o jogo seguinte com a Alemanha?”. Na altura com 21 anos, Varane acabou por entrar em campo nos quartos-de-final, contra a Alemanha, naquele que catalogou como um dos piores jogos da carreira.
A Alemanha ganhou 1-0 à França, com um golo de Hummels num lance aéreo ganho a Varane – que se “encolheu”.
“Em 10 anos, eu nunca quis falar sobre isto porque poderia soar a desculpas e eu nunca quis que parecesse, porque não é (…) Não sei o que poderia ter acontecido se tivesse levado outro impacto na cabeça. Sabemos que as concussões de repetição têm um efeito mortal. Na altura eu não era pai, mas agora, aos 30 anos, tenho três filhos e as coisas são diferentes”, explica o antigo internacional francês.
Outro exemplo foi um jogo, ao serviço do Real Madrid, frente ao Manchester City, para a Liga dos Campeões, onde Varane parecia estar “adormecido” e se confessou “muito lento”.
O jogador relacionou, depois, a má prestação com uma “bolada” na cabeça, que o obrigou a ser substituído, no jogo anterior frente ao Getafe.
“Segui um protocolo de recuperação de cinco dias sem muito esforço. Depois, tivemos alguns dias de folga e lembro-me de ter sentido cansaço intenso, mas achei que estava relacionado com a descompressão normal de fim de temporada. Quando voltei a treinar, ainda estava cansado, sentia-me sem energia, mas sem o relacionar à pancada”, contou.
“Olhando para trás, percebi que esteve relacionado com o choque que tinha sofrido. Questionei-me muito e percebi que aqueles erros [contra o Manchester City] não tinham caído do céu”, explicou.
Varane apela à mudança
Na mesma entrevista – que tem como título “Destruí o meu corpo” -, Varane apela à mudança na forma como se joga futebol, a fim de se prevenirem lesões cerebrais e proteger o corpo.
O jogador do Manchester United revelou que aconselha o filho a não cabecear, quando joga à bola.
“O meu filho joga e digo-lhe que não cabeceie (…) Uma concussões cerebral é um problema de saúde real e pode ser vital reconhecer uma. As coisas vão mudando pouco a pouco, mas ainda há muito a fazer”, reconheceu Varane.
Os sintomas das concussões muitas vezes são invisíveis, mas, ao fim de algum tempo, começam a repercutir-se no corpo. Varane apela a uma maior abertura no debate dos perigos ligados à síndrome do segundo impacto (a segunda pancada sofrida antes da recuperação total da primeira).
De acordo com o Sportinforma, em Inglaterra, um dezena de ex-jogadores e as famílias de outros sete já falecidos processaram vários órgãos e dirigentes do futebol britânico, que acusam nunca terem tomado medidas, mesmo estando conscientes quando aos riscos de concussões e lesões cerebrais.
[sc name=”assina” by=”Miguel Esteves, ZAP” url=”” source=”” ]
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