Provavelmente a Guatemala não vai celebrar muito o (duplo) feito inédito da emocionada Adriana Ruano Oliva. Ou foi aberto novo caminho?
A Espanha chegou à final feminina do fosso olímpico (tiro) com esperanças reforçadas. Era o único país com duas atletas e, em seis finalistas, a probabilidade de conquistar uma medalha era grande.
A qualidade das duas – Mar Molne Magrina e Fátima Galvez – ajudava, mas afinal a festa foi em castelhano… mas noutro país.
As espanholas foram eliminadas antes da luta pelo pódio. Ficaram respectivamente nos 4.º e 5.º lugares, só à frente da chinesa Cuicui Wu.
Nas medalhas: bronze para a Austrália (Penny Smith) e prata para a Itália (Silvana Maria Stanco). Dois países habituados a medalhas nos Jogos Olímpicos.
A notícia aqui é mesmo a medalha de ouro: Guatemala, por Adriana Ruano Oliva.
A Guatemala conseguiu uma medalha de ouro nos Jogos Olímpicos. Nunca tinha acontecido. Após tantas participações – começou em 1952, apesar de ter falhado quatro edições entretanto – eis o primeiro título.
Aliás, até 2012, nunca tinha conquistado qualquer medalha. Em Paris 2024, em menos de 24 horas, já conseguiu duas, e ambas no tiro.
Depois do bronze na prova masculina, conseguido por Jean Pierre Brol, Adriana foi a responsável por se ouvir, pela primeira vez, o hino da Guatemala nos Jogos Olímpicos.
E estabeleceu novo recorde olímpico, ao acertar em 45 dos 50 pratos na final desta quarta-feira.
Aos 29 anos, é a nova figura do seu país? Se calhar não.
Problema: é mulher
Adriana nem é profissional do tiro. É nutricionista e também desportista. Foi ginasta e chegou a estar perto dos Jogos Olímpicos 2012. Mas um problema nas costas atirou-a para o tiro.
Mesmo amadora, é campeã olímpica. E emocionou-se na reacção, ao dedicar a medalha “ao céu” – o seu pai morreu há três anos.
Apesar do título inédito, dificilmente a Guatemala vai celebrar muito. Pode reconhecer o que Adriana acabou de fazer, mas a mulher na Guatemala ainda é vista como um acessório em muitos casos.
A desigualdade de género é uma constante, a discriminação vai atrás e a violência doméstica/sexual reina em muitas casas. Aliás, a violência contra mulheres é mesmo o crime mais denunciado na Guatemala.
É difícil ver mulheres a liderar empresas, a terem propriedades em seu nome, ou em cargos políticos. O acesso aos serviços públicos e aos bancos é condicionado.
Entrar no mercado de trabalho é mais complicado para elas. Para se ter uma noção: só 37% das mulheres trabalham, enquanto 85% dos homens trabalham.
A sociedade da Guatemala tem uma estrutura patriarcal e “machista”, que muitas vezes exclui as mulheres e outros grupos marginalizados, descreve a Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional.
Tem havido tentativas de mudar este cenário, com movimentos sociais, marchas, manifestações, e a inclusão de mais mulheres na economia e na educação.
Mas ainda falta percorrer muito caminho – que Adriana acabou de abrir?
(artigo actualizado)
[sc name=”assina” by=”Nuno Teixeira da Silva, ZAP” ]
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